Membros da aldeia Kamakã Mongoió, localizada em Brumadinho (MG), denunciam que na manhã desta sexta-feira (18) mais uma vez seu território teve a presença de carros da Polícia Militar e da mineradora Vale S.A. Os indígenas receberam uma ordem de despejo para o dia 26 de março, que ainda pode ser revertida, e relatam como constrangimento e assédio a presença da PM e da empresa antes da data.
O cacique Merong Kamakã conta que as “visitas”, inclusive, têm sido recorrentes desde 5 de março deste ano, quando receberam a primeira ordem para desocupar a terra.
“Frequentemente estamos tendo a presença da PM, juntamente com a segurança da Vale, fazendo pressão psicológica pra gente se retirar da nossa aldeia”, conta o cacique. “Temos crianças que estão estudando na escola em Casa Branca [bairro], que às vezes não vão à aula porque eles chegam justamente na hora das crianças irem pra escola”.
Nas palavras de Merong Kamakã, a postura da mineradora e da Polícia Militar têm sido uma “covardia”.
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A aldeia é fruto de uma retomada de terra realizada pelos indígenas em 23 de outubro de 2021, em território contestado pela mineradora Vale como sua propriedade.
A retomada fica na região do Córrego de Areia, Estrada Maurilio Parreiras Maia, no bairro Casa Branca, e leva o mesmo nome do povo indígena que a organiza. A aldeia Kamakã Mongoió é composta também por indígenas das etnias Puri e Kambiwá.
Ordem de despejo
A reintegração de posse foi pedida pela empresa Vale à 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Brumadinho, que em 4 de março decidiu por expedir a ordem de despejo imediata. A juíza Renata Nascimento Borges foi a autora da ordem.
No sábado, dia 5 de março, a aldeia Kamakã Mongoió recebeu então a visita do Oficial de Justiça, da Polícia Militar e de funcionários da Vale, informando que os indígenas teriam 24 horas para se retirarem do local. O período não foi cumprido pelos integrantes da aldeia, gerando um Boletim de Ocorrência por parte da Vale e uma nova ordem de reintegração de posse, agora para 26 de março.
Através do cacique Merong, a aldeia manifesta que não irá se retirar da terra. “Nossa palavra para eles sempre vai ser resistência”, garante.
Contradições no processo
Por se tratar de uma questão indígena, a Constituição Federal afirma que cabe à Justiça Federal julgá-la. A determinação está no Artigo 109: “Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) XI - a disputa sobre direitos indígenas”. Isso incluiria envolver a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai).
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Para que o processo fosse julgado em Brumadinho, na Justiça Estadual, os advogados da Vale argumentaram que o conflito acontece entre interesses de uma empresa privada (Vale) e “particulares” (povo Kamakã Mongoió), inexistindo assim interesse da União no julgamento. Motivo que parece ter sido aceito pela 2ª Vara de Brumadinho.
A Funai, que poderia levar o processo à instância federal, foi procurada pela reportagem, mas ainda não se pronunciou.
A advogada Lethicia Reis, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e representante da aldeia no processo, avalia a situação como inconstitucional.
Decisões federais impedem despejo
Além disso, a advogada lembra de duas decisões do Supremo Tribunal Federal que atualmente desautorizam o despejo de indígenas.
Uma liminar provisória do ministro Luís Roberto Barroso foi aprovada pela maioria dos ministros do Supremo, em dezembro de 2021, suspendendo as remoções forçadas de comunidades durante a pandemia de covid-19. A medida é válida até 31 de março, ou seja, o despejo da aldeia Kamakã Mongoió em 26 de março seria ilegal.
A outra é uma determinação do ministro Edson Fachin, em maio de 2020, especificamente sobre as comunidades indígenas. O ministro considerou que esses povos sofrem há séculos com doenças que já dizimaram etnias inteiras e que a tramitação dos processos, com o risco de reintegrações de posse, poderia agravar a situação.
O ministro suspendeu os despejos de indígenas até o fim da pandemia ou até o julgamento final do Recurso Extraordinário (RE) 1017365 no STF, do qual é relator. Esse recurso definirá o estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena.
Edição: Larissa Costa