Uma cama de ferro forrada com terra e coberta por pedras de calçamento. Entre as pedras, nasce a vida em pequenas mudas semeadas pelas mulheres acolhidas no Abrigo Maria Maria. A instalação “Natureza das coisas” é uma das obras que integram a exposição QUANDO, inaugurada na terça (29) no Museu Mineiro, em Belo Horizonte.
A mostra, que segue até primeiro de maio, apresenta obras realizadas pelo coletivo de nome homônimo, composto por artistas e mulheres cisgênero e transgênero que transitam pelo abrigo, espaço de moradia provisória para população feminina adulta com trajetória de vida nas ruas ou em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social.
Artista do coletivo QUANDO e precursora desse trabalho no Maria Maria, Dulce Couto lembra que as mulheres acolhidas no abrigo são como as plantas resistentes que brotam nas calçadas. “A proposta é fazer o público refletir sobre o que é morar na rua, o que é resistir, o que é estar ao lado de uma rachadura na calçada e, de repente, ver uma plantinha ali, nascendo. São indícios de vida, que, mesmo nas ruas, elas foram capazes de perceber e de trazer dentro delas”, aponta.
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Os trabalhos da mostra são frutos de laboratórios de arte realizados pelo coletivo QUANDO no Maria Maria desde 2018 e incluem diário de bordo, derivas pela cidade, arte têxtil, práticas de colagem, desenho, pintura, vídeo, dentre outras ações multidisciplinares que servem como suportes para o compartilhamento de memórias, narrativas e sonhos.
Matheus Couto, coordenador geral do projeto, explica que a exposição é uma construção coletiva que surge quando o coletivo se encontra com as mulheres do abrigo. “Todas as obras foram pensadas não por um artista, mas por vários e pelas meninas. É nessa soma e nessa troca que tudo aqui foi se constituindo”, destaca.
Moradora do Maria Maria há quatro anos, Eliana Dias dos Santos, diz que sempre gostou de desenho de observação e o projeto com o coletivo QUANDO foi uma oportunidade de aprender mais. “Por meio da sua arte, você entra em contato com pessoas que também gostam de arte. E é assim, cada dia aprendendo mais”, conta.
A coordenadora do Abrigo Maria Maria, Glênia Cristiane Silva, acredita que os laboratórios de arte possibilitam que as mulheres acolhidas no serviço revisitem lugares, memórias e experiências vividas. “Elas chegam para um atendimento socioassistencial e, às vezes, vão selecionar o que dão conta de falar naquele momento. E a arte proporciona a pessoa estar livre. Elas vão dizer coisas que talvez não disseram para ninguém ou, até aquele momento, ninguém escutou”, afirma.
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As atividades realizadas pelo coletivo QUANDO são acompanhadas pela equipe técnica do Abrigo Maria Maria. A exposição é incentivada pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte e tem patrocínio da UNIBH e apoio do Museu Mineiro, da Make More e da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais.
A equipe contou com a produção executiva de Carla Onodera, a coordenação de Matheus Couto, a curadoria e expografia de Chris Tigra e Rafaela Ianni e a consultoria criativa de Dulce Couto.
Maria Maria
Inaugurado em 18 julho de 2000, o abrigo é uma das unidades da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) que oferta serviços de acolhimento e socioassistenciais para pessoas em situação de rua. Com capacidade de acolhimento para até 40 pessoas, atualmente, 20 mulheres estão acolhidas no serviço, que é organizado em consonância com os princípios, diretrizes e orientações do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Executado pela Cáritas Regional Minas Gerais em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac), o Maria Maria oferece condições para a redução das violações dos direitos socioassistenciais, seus agravamentos ou reincidência na vida de suas moradoras, além da redução da presença de pessoas em situação de rua e da garantia da inclusão social em serviços e acesso aos direitos fundamentais.
Seu funcionamento inclui o atendimento 24 horas, tendo como referência uma metodologia inclusiva com participação das moradoras na discussão e na construção de critérios e normas de convivência e da gestão coletiva da moradia.
(Lívia Bacelete é jornalista da Cáritas Regional Minas Gerais)
Edição: Larissa Costa