Há uma economia política por trás do emprego das Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC. E elas proporcionam, basicamente, dois fatores: a crescente privatização de serviços públicos e a captura intensiva dos dados da população. As consequências que os poderes públicos de inspiração neoliberal trazem para a vida das cidades, aí, são conhecidas. As produções de desigualdades sociais expressam exatamente o contrário do que prometem.
Um primeiro passo para se contrapor a esse tipo de processo é reconhecer os modelos políticos e econômicos sobre os quais a grande maioria das cidades funcionam e os limites e possibilidades que existem para uma cidade desenvolver políticas contra hegemônicas. Dado, principalmente, que este modelo é planetário, insidioso, com operadores poderosos que alardeiam a falência da política, enaltecem o individualismo, promovem o convencimento de pessoas com promessas genéricas de realização pessoal, felicidade e até de liberdade e democracia.
É preciso combater à privatização criminosa das telecomunicações
No nível estratégico, há muito foi quebrado o combate à privatização criminosa (lesa pátria!) das telecomunicações, com a postura não-republicana da Anatel – Agência nacional de Telecomunicações e do Ministério da Comunicações, com a destruição do parque de pesquisa e de desenvolvimento do setor. Algo que pode ser, se retrabalhado, gradualmente revertido, em um governo progressista, com políticas públicas que reconstituam nossa competente, mas sucateada engenharia nacional.
Isto posto, é preciso entender que, como governo ou como atuação militante, podem ser construídas ações para desenvolver políticas contra-hegemônicas que possibilitem, no médio prazo, resgatar os princípios estratégicos de reestruturação do setor. A inclusão social, a distribuição de renda, a democracia e a soberania são princípios sob os quais podem ser executadas ações imediatas nos níveis de poder de governos municipais e estaduais de forças progressistas presentes no Brasil.
Infraestrutura, serviços e capacitação
Estas ações, se desdobram em três eixos: o da Infraestrutura, o de Serviços e Conteúdos e o da Capacitação, Consultoria e do Atendimento.
No eixo da infraestrutura, há um elenco de ações implementáveis no arcabouço legal existente. Uma primeira é a instituição de Parceria Público Privada para estruturação de redes e datacenters. Outra é a implantação de outorgas de TV Cidadania. Uma terceira, na mesma linha da segunda, é o incentivo às comunidades com condições para implantarem estações comunitárias de Rádio WEB, para disseminarem notícias, cultura e comércio local e ações de economia solidária.
A quarta, muito transformadora, seria garantir às escolas públicas a condição de centro irradiadores de energia social (de conhecimento e cooperação) para operarem como nós de uma rede de fibras e estações de satélite, WI-FI, com salas para EAD (ensino à distância), com salas de trabalho compartilhado, com salas de apresentações culturais para os pais de alunos e vizinhos da escola, enfim, para a comunidade do entorno, em horário compatível com sua missão principal constitucional. Em quinto, levar fibra ótica às favelas e nos hubs de distribuição, para fazer o mesmo que o proposto para as escolas públicas.
Precisamos construir políticas contra-hegemônicas de comunicação
Em sexto, também se apropriando de algo já existente, utilizar a multiprogramação da TV Digital, já disponível inclusive em empresas públicas de televisão, ou na TV Cidadania criada para a implantação de rede de ensino EAD semipresencial, com monitores e canal de retorno para capacitação servidores públicos, complementação de educação regular de ensino com cursos profissionalizantes. É possível, ainda, buscar outorga do canal de cidadania digital para suprir esta ação onde ele não existir.
Em sétimo, é estratégico também garantir conexão de 10 a 50 Mbps (dependendo do número de equipes) para as Unidades Básicas de Saúde em núcleos urbanos ganharem autonomia de funcionamento ágil. A implantação de sistemas para dispositivos móveis para dar suporte às atividades de equipes itinerantes de saúde da família e de vigilância sanitária, completariam este importante instrumento de garantia de apoio à saúde pública.
É estratégico rever os parâmetros da implantação do 5G
Ainda no campo da Saúde, é possível criar programas de Telessaúde (com transmissão de imagem, cirurgia remota, segunda opinião, teleconferência científica), conectando hospitais regionais a hospitais universitários e centros e institutos de pesquisa em saúde, das redes estadual e federal, em parceria com a RNP – Rede Nacional de Pesquisa, com a FIOCRUZ e o Instituto Butantan, entre outras instituições de excelência.
Outra ação viável na infraestrutura é a implantação de aplicativos e serviços voltados para a formação técnica para o desenvolvimento da agricultura familiar. E, na interface com a economia solidária ou com o empreendedorismo, é possível também criar mecanismos de incentivos a cooperativas e aos startups (incubados), para promoverem iniciativas de desenvolvimento de aplicativos e conteúdos, estimulando e potencializando a criação de arranjos produtivos locais nas áreas de tecnologias da informação.
Tecnologias não convencionais
Abaixo são descritas tecnologias que podem enviar conteúdo, onde não houver possibilidade de usar a internet convencional e os produtos de rede social (incluindo YouTube e Whatsapp, oriundas da Big Data, entre elas).
Entre elas, a multiprogramação da TV Digital para atingir 23 milhões de antenas Banda C no interior do Brasil. Para isto, é possível fazer parceria com instituições progressistas que têm outorga de TV Digital.
Também é possível estruturar a Rádio WEB comunitária em distritos e pequenas cidades, tornando-as equivalentes a uma grande rede Wi-Fi para as localidades, funcionando como rádio local. De outro lado, é possível utilizar rádios comunitárias outorgadas para campos políticos progressistas. Bem como ocupar as grades das TV Comunitárias existentes. E, por último, realizar a implantação do Canal Cidadania nos municípios onde não houver outorga.
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Já no eixo Serviços e Conteúdo, para atender as áreas típicas de governo, de forma transversal e, na ponta, o cidadão e suas necessidades a tecnologia das plataformas digitais surgem como importantes oportunidades tecnológicas, suportadas pelas infraestruturas de TIC.
Para o desenvolvimento econômico e social, é urgente o atendimento ao setor de transporte e entrega de mercadoria por aplicativos em plataformas centradas na organização solidaria dos trabalhadores, considerando a necessidade de proteção social, autogestão e as consequente taxas modicas de administração.
Já no eixo da Capacitação, da Consultoria e do Atendimento, para a utilização eficiente da tecnologia da informação e comunicação pelo cidadão, pelas prefeituras, pelos servidores e gestores públicos em geral, é necessária a permanente combinação de capacitação e consultoria a estes atores e entidades, em seus vários níveis de interação.
No âmbito federal
Outras ações, que dependem do Governo Federal e da Anatel, precisam que os deputados, partidos, Ministério Público da União, sindicatos, associações e até ONG’s monitorem bem suas implementações.
Uma delas é a inclusão digital das populações em assentamentos ou comunidades rurais, com instalação de ponto de comunicação via satélite, de acesso público para cada comunidade, com banda inicial de 2 Mbps, que pode ser ampliada gradativamente até 10 Mbps.
Outra questão estratégica e de soberania é rever os parâmetros da implantação do 5G. É preciso observar que os arrematadores da faixa de 26 GHz do edital de 5G terão que investir para garantir a conectividade nas escolas públicas de ensino básico como contrapartida. E que o GAPE – Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas, com representantes dos Ministérios das Comunicações e da Educação, da Anatel e das operadoras vencedoras, está incumbido de definir as diretrizes de como fazer o investimento na Internet das escolas públicas. E que as vencedoras da faixa de 3,5 GHz, voltadas para o consumidor final, serão responsáveis pela migração do sinal da TV parabólica banda C, onde for o caso de interferência.
Além disto, trinta e um mil quilômetros de rodovias do país deverão contar com internet 4G. Uma observação importante é que, colocada como contrapartida, a conectividade nas estradas, que utilizará a faixa 700 MHZ, poderá trazer um ganho colateral no atendimento de assentamentos, comunidades ribeirinhas e quilombolas, uma vez que esta faixa de frequência possui característica de baixa atenuação no espaço livre, podendo atingir grandes distancias.
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Uma rede privativa de comunicação para a administração federal deverá ser construída, pelas empresas investidoras, o que pode aumentar a segurança dos dados governamentais, mas que depende de políticas neste sentido.
As tecnologias da informação são pródigas no sentido de sugerirem transparência e democracia. Ao se criar alguma coisa nova, associando-a ao sufixo “digital”, passa-se uma ideia de modernidade que não pode ser confundida com democracia, transparência ou até mesmo inclusão.
Uma proposta consequente é a de criar uma instância que cuide da normalização e validação das informações sensíveis, antes de serem exibidas ou divulgadas. A proposta é abrangente e longa. As ações para isto devem ser centralizadas e reproduzidas em toda estrutura organizacional de governo e demais poderes, de maneira transparente.
José Francisco Seniuk foi diretor do Departamento de Telecomunicações em MG (DETEL); trabalhador da Telemig, antes de ser privatizada, e sindicalista no Sinttel-MG. É membro titular do Coletivo do Setorial de Ciência e Tecnologia do PT-MG
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida