Chile: população mais pobre se viu numa situação de penúria
O Chile por muito tempo foi apresentado como laboratório de exemplos para implantação de ideias econômicas ao Brasil. Muitos economistas brasileiros, principalmente os que apresentam uma orientação neoliberal, consideram que o país andino deveria ser seguido para que no Brasil fossem implantadas as melhorias que são vistas lá.
Desde o fatídico golpe militar ocorrido em 11 de setembro de 1973, em que culminou na morte do presidente eleito democraticamente, Salvador Allende, o Chile adotou uma postura de liberalização econômica liderada por um grupo de economistas que ficaram conhecidos como “Chicago Boys”. Esses jovens, à época, receberam essa alcunha, pois muitos haviam estudado na Pontifícia Universidade Católica do Chile e posteriormente feito pós-graduação na Universidade de Chicago. Eles foram treinados de acordo com teorias monetaristas e que defendiam uma menor interferência do Estado em assuntos econômicos.
“Chicago Boys” para latino americanos
Curiosamente os alunos que estudaram em Chicago costumam ser mais valorizados abaixo da linha do Equador e em países como Chile e Brasil. Esses formados na universidade norte-americana costumam assumir cargos de relevância em equipes econômicas e influenciam a vida de muitas pessoas.
Como observa Marcelo Milan, no texto “Se os Chicago Boys são tão bons, por que os EUA nunca nomearam um deles na área econômica?”, não há registro de nenhuma pessoa que estudou economia na Universidade de Chicago e que tenha assumido os principais cargos em instituições que cuidam da política fiscal ou monetária estadunidense. Nunca houve um Secretário do Tesouro Americano, o que seria equivalente a um Ministro da Economia no Brasil, ou presidente do Federal Reserve, que seria um equivalente a presidente do Banco Central do Brasil, que se tenha notícia que havia estudado em Chicago.
Se Gabriel Boric melhorar vida do povo, Chile será um bom exemplo para o Brasil
Já aqui no Brasil, e no Chile, a situação foi diferente. As pessoas que estudaram em Chicago se aproximaram dos governos autoritários para assumirem postos de relevância em instituições econômicas e tiveram a oportunidade de implantar na América Latina algumas das teorias aprendidas nos EUA.
Chile foi mais longe
No Chile, as ideias neoliberais foram mais longe do que no Brasil. O resultado foram políticas de desestatização em que a população mais pobre se viu numa situação de penúria, principalmente os aposentados. Muitas das reformas que foram implementadas no Chile só passavam num contexto de repressão extrema, como foi o regime do ditador Pinochet.
O país quando tentou seguir um caminho voltado para atender as demandas dos oprimidos, como no período governado pela presidenta Michelle Bachelet, foi prejudicado por órgãos nacionais e internacionais como o Banco Mundial. Que reduzia deliberadamente a posição do país no ranking Doing Business em colocações piores do que a que realmente deveria ocupar, simplesmente porque o governo tinha uma orientação política que não era considerada adequada pelo Banco.
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Isso gerou até uma repercussão negativa na imprensa mundial, pois o presidente do Banco Mundial à época, Paul Romer, teve que reconhecer o erro posteriormente, depois que Michelle nem era mais presidente. O representante do Banco Mundial foi publicamente pedir desculpas à presidenta e ao país por terem manipulado dados que diminuíram a posição do Chile.
Das manifestações a Gabriel Boric
A partir de 2019 explodiram manifestações da população chilena que pediu um basta na exploração e extorsão das pessoas mais vulneráveis.
Curiosamente, a equipe econômica do governo brasileiro atual parou de citar o Chile como exemplo a ser seguido pelo Brasil. Isso pode ter acontecido justamente porque muitas das reivindicações da população chilena sobre a mudança de situação do país são coincidentemente conquistas que a população brasileira já possui, como acesso a um sistema educacional público e gratuito, previdência social vitalícia garantida pelo governo, saúde pública e gratuita para todos os cidadãos.
A partir da eleição do atual presidente Gabriel Boric, o país andino caminha para mudar e tentar diminuir as marcas de atraso deixadas pela ditadura chilena. Os primeiros sinais já mostram diversas mudanças em relação aos governos anteriores, como ministérios que agora são mais ocupados por mulheres, mudanças na Constituição para resolver questões étnicas e raciais, além da indicação histórica da neta de Salvador Allende para ser ministra da Defesa.
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Maya Fernández Allende, a neta do presidente eleito democraticamente e morto pela ditadura militar, será a responsável pelas Forças Armadas chilenas. Além disso, o novo governo apoia a nova Constituinte que está em processo no Chile.
O que aprendemos de lição é que a panela de pressão explodiu e a população chilena acordou. O povo chileno reivindica mais atenção social e menos privilégios para a sua elite do atraso.
Se as mudanças iniciadas pelo novo governo melhorarem a vida da população, principalmente dos menos favorecidos, como atender os interesses da maioria e diminuir as marcas deixadas pela ditadura, será de grande importância para o povo chileno. Se as reformas forem suficientes para iniciar melhorias para a maioria das pessoas, teremos o Chile como um bom exemplo a ser seguido pelo Brasil.
Davyson Demmer Guimarães Barbosa é economista formado pela UFSJ, mestrando em educação tecnológica pelo Cefet-MG e diretor de imprensa do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais. O autor gostaria de registrar um agradecimento especial a Tiago Oliveira Abreu, também formado em ciências econômicas pela UFSJ, residente no Chile há quase uma década e que contribuiu com a revisão e sugestões inestimáveis ao texto.
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida