Minas Gerais

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Resolução do governo de MG prejudica Comunidades Tradicionais e favorece mineradoras

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"Sabemos que pouquíssimas Comunidades são certificadas e já há um bom tempo a CEPCT-MG não emite mais certidão" - Foto: Manoel Marques/imprensa-MG
Resolução restringe número de comunidades que serão consultadas

No dia 20 de abril aconteceu a Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), sobre a Resolução da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDESE), do Governo de Minas Gerais, publicada dia 5 de abril de 2022, no Diário Oficial do Estado, que esteriliza, amordaça e mata a Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) dos Povos e Comunidades Tradicionais no estado de Minas Gerais.

A Resolução viola brutalmente todos os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais, ferindo princípios básicos de participação e da própria Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da Organização das Nações Unidas (ONU), que faz parte do ordenamento jurídico do país, desde 2004.

Medida estabelece que decisão final será da SEMAD

A Convenção 169 da OIT “tem por objetivo ser um instrumento de proteção e salvaguarda dos direitos de Povos e Comunidades Tradicionais, garantindo-lhes, entre outros, o direito à autoatribuição/autodeclaração, o direito à consulta e de participação da tomada de decisões que possam trazer impactos ao seu modo de vida”.

A famigerada Resolução faz uma inversão: os Povos e Comunidades Tradicionais são tratados como sobrepostos às áreas dos projetos. Defendendo a ideia de que injustiça são os Povos e Comunidades Tradicionais estarem em áreas de interesse da gula sem fim do grande capital.

Empresas passaram a ter mais poderes sobre terras

A ilegal Resolução restringe muito o número de comunidades diretamente afetadas, que serão consultadas sob mordaça. Determinando que só serão consultadas Comunidades certificadas após Certidão de Autorreconhecimento como Comunidade Tradicional emitida pela Comissão estadual de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT-MG), Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Fundação Palmares.

Poucas comunidades certificadas

Sabemos que pouquíssimas Comunidades são certificadas e já há um bom tempo a CEPCT-MG não emite mais certidão. O Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES) já inventariou mais de 1.000 Comunidades Quilombolas em Minas Gerais e há milhares de outras Comunidades Tradicionais em processo de autorreconhecimento e/ou em fase de solicitação de certificado.

A autoatribuição já seria suficiente segundo a Convenção 169 da OIT, garantindo a autonomia emancipatória dos Povos e Comunidades Tradicionais. Por isto, restringir a CPLI às comunidades já certificadas é grave infração por parte da Resolução da SEMAD e SEDESE, que joga para a invisibilidade as comunidades que não se apresentaram oficialmente para as instituições públicas e/ou optaram por não se apresentar ainda, mas que tem seus iguais direitos garantidos e constituídos.

Conforme bem apontado pelas representantes da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE/MG), Dra. Ana Cláudia Alexandre, e do CEDEFES, Dra. Alenice Baeta, durante a Audiência Pública conduzida pelas Deputadas Estaduais Andreia de Jesus e Beatriz Cerqueira, esta Resolução é nitidamente um ato de retrocesso, o que não é admitido pelas cortes internacionais e por todo o corolário de normas internacionais no âmbito dos Direitos Humanos.

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A “Proibição do Não-Retrocesso” é instituto fulcral e deve ser severamente respeitado, pois configura-se claro interesse por parte do estado de Minas Gerais em reestabelecer o “Regime de Tutela”, já superado por meio das conquistas emancipatórias e de autonomia, sobretudo, no âmbito da alteridade sociocultural e histórica, respeitando de forma incondicional as especificidades culturais e territoriais de cada Povo e Comunidade Tradicional.

Tal resolução revela, todavia, por parte do Estado de Minas Gerais o seu arraigado Racismo Socioambiental e a Discriminação institucional para com os Povos e Comunidades Tradicionais e desrespeito total aos seus direitos constituídos.

Palavra final do governo

Esta inconstitucional Resolução prevê que, não havendo consenso na Consulta aos Povos e Comunidades Tradicionais, a decisão final será da SEMAD, mesmo que os Povos e Comunidades consultados neguem a aprovação do empreendimento.

Isto é, portanto, tentativa insana e irresponsável de retomar a tutela dos Povos Tradicionais, o que é inadmissível! Se a SEMAD com a Câmera de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) tem aprovado todos os grandes projetos das grandes mineradoras, é óbvio que é injusto, inconstitucional e violação ao que está prescrito na Convenção 169, deixar a SEMAD decidir.

Isto significa, na prática, atropelar e violentar os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais, pois, injustamente, a SEMAD tem atuado de forma subserviente aos interesses das grandes empresas.

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É imoral, injusto e inconstitucional, conforme definido na Resolução, atribuir ao responsável pela CLPI - entre eles as empresas com seus grandes interesses capitalistas – o poder de definir quem são os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) afetados, qual é a área diretamente afetada (ADA), ditar prazos, estabelecer a metodologia, o plano e conduzir todo o processo regido pela boa-fé das partes envolvidas.

Prazo para atender mineradoras

Esta Resolução é injusta também porque impõe prazos que violam o caráter livre e informado da consulta, como por exemplo, o prazo de 45 dias corridos para a elaboração de Protocolos de Consultas e 120 dias para a conclusão da consulta. Isso é desrespeito ao tempo das Comunidades Tradicionais. Para ser Livre a Consulta, quem deve determinar o tempo são as Comunidades Tradicionais; não pode ser uma Consulta acelerada, no ritmo dos interesses do grande capital.

Outro absurdo desta Resolução: apregoa que as empresas poderão contratar empresas consultoras para elaborar a Consulta Prévia, Livre e Informada. Isso é o mesmo que colocar raposa para arrumar o galinheiro. Esta injusta Resolução foi publicada após o Ministério Público expedir Recomendação para suspender as Audiências Públicas do Projeto do Bloco 8 da Mineradora SAM, em Grão Mogol e Fruta de Leite, no norte de MG. São ilegais e inconstitucionais os Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impactos ao Meio Ambiente (EIA-RIMA) da mineração da SAM no norte de MG, sem antes fazer a Consulta Prévia, Livre e Informada.

Da mesma forma, o edital de licitação do Rodoanel, rodominério, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Absurdo dos absurdos o Governo de MG continuar insistindo em fazer a licitação do Rodoanel, obra faraônica, autoritária, eleitoreira, hidrocida, ecocida, que levará Belo Horizonte e RMBH da grave crise hídrica ao colapso hídrico. Tudo isso sem fazer a Consulta Prévia, Livre e Informada a mais de dez Comunidades Quilombolas e dezenas de outras Comunidades Tradicionais que estão no trajeto do Rodoanel.

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É injusto e inconstitucional facultar às empresas determinarem qual é a “área diretamente afetada” e restringir a Consulta Livre, Prévia e Informada a esta eventual “área diretamente afetada”. Os efeitos socioambientais dos grandes empreendimentos ocorrem de forma sistêmica e contínua para além do perímetro deliberado e interessadamente compreendido como “área diretamente afetada”.

Desmonte dos instrumentos legais de proteção

Esta Resolução é semelhante às resoluções bolsonaristas do desgoverno Federal que tem o objetivo de desmontar todos os instrumentos legais de proteção dos direitos humanos, sociais e ambientais, conquistados com muita luta. Esta covarde

Esta Resolução é mais uma manobra do Governo Zema, a serviço dos grandes empreendimentos, das mineradoras e empresas do setor de energia, grandes empresas da idolatria do mercado, para criar uma aparência de diálogo. A verdade é que ela é violenta e retira os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Precisamos dizer o óbvio aqui: à SEDESE compete fortalecer e ampliar instrumentos de democracia direta e participativa; além de promover ações afirmativas e de enfrentamento à discriminação racial contra a população negra, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. No entanto, injustamente, ao se posicionar como coautora desta inconstitucional Resolução, a SEDESE está traindo sua missão. Como pode a SEDESE e a SEMAD fazerem uma Resolução à revelia da Comissão de Povos e Tradicionais do Governo de MG?

Basta de devastação socioambiental. Exigimos respeito aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais. Que o Ministério Público e o Judiciário anulem esta brutal Resolução. Viva os Povos e Comunidades Tradicionais e Fora todos que insistem em passar o trator em cima dos Povos e Comunidades Tradicionais!

 

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

As videorreportagens abaixo tratam sobre o assunto acima.

Frei Gilvander: Resolução do Governo de MG violenta direitos dos Povos Tradicionais a Consulta CPLI

“É necessário Resolução do Governo de MG sobre a Consulta aos Povos Tradicionais?” (Dep. Andreia)

 

Edição: Elis Almeida