Carnaval ressurge pós pandemia trazendo beleza e nossa matriz africana
No mundo de tantos muros, tantas distâncias, preconceitos e intolerâncias, o maior show da terra, trouxe como tema principal as tradições de matriz africana, a história e a homenagem aos negros e negras esquecidos e esquecidas pela história oficial. Das 26 Escolas de Samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, que compõem o grupo especial 15 destas, trouxeram para a avenida e homenagearam a cultura, a tradição e a história afro brasileira.
Num momento tão grave de nossa história, com uma agenda de grandes retrocessos políticos e sociais; de violência e desprezo a liberdade e a democracia, foi maravilhoso ver Exu, sendo desmistificado na avenida. Exu, que é nosso mercúrio, nosso ícone da comunicação e dos caminhos, foi o grande vencedor do carnaval da resistência de 2022, e o melhor, sem falar mal, sem desprezar ou vilipendiar nenhuma outra forma e maneira de rezar e não rezar.
A força da cultura popular
A Grande Rio chegou escancarando sua beleza, seus ardis e suas nuances, surpreendendo a sociedade com uma história que reflete a beleza, a alegria, de um dos maiores ícones das tradições de matriz africana. Aquele a quem dedicamos o início de todas as nossas celebrações. Pois é de Exu, nossos caminhos e estradas, nossa comunicação e nossa certeza de que nunca foi sorte, sempre foi ele, Exu.
Um espaço onde seremos nós mesmos protagonistas de nossas histórias
2022, é um ano desafiador, um ano de superação e de grandes possibilidades de transformações, um ano em que temos a possibilidade de construirmos uma outra história a partir de nossa própria encruzilhada, terra onde mora Exu. Encruzilhada esta que para nós, não significa o fim, ao contrário é nesta que encontramos as possibilidades de mudanças, de transformações e recomeços.
O carnaval, ressurge pós pandemia trazendo, a riqueza, a beleza e o olhar da cultura e das tradições de matriz africana, reacendendo em todas e todos os nós a esperança de fazer como Exu: transformar o caos em miríades de possibilidades; de vida, de liberdade, alegria e democracia. Reconstruir a partir do que tentaram nos tirar e negar, a vida.
A força da cultura popular, mais uma vez, nos traz a possibilidade desse olhar para além dos preconceitos, do racismo, do machismo, da LGBTfobia e a partir do respeito ao outro.
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Nos sambas enredos, cantados nos quatro cantos desse país, entendemos mais de história do que em qualquer banco escolar de uma escola que não nos acolhe, que não nos conta a verdade sobre nossos heróis e heroínas.
De forma lúdica entendemos que Exu não é o capeta que querem nos impor os racistas. E nem nesse momento, usamos da fé do outro, que tanto nos criminaliza e discrimina, para poder falar que esse não é um problema nosso de forma agressiva, desrespeitosa e prepotente. Ao contrário, contamos essa história nossa, esse prazer e felicidade, esse reconhecimento de Exú ancestral de forma lúdica, bonita, colorida e generosa.
Num país onde o que mais se vê na atualidade é o crescimento do nazifascismo, da intolerância, do racismo e da negação da vida e da ciência, a cultura nos traz num desfile histórico nos sambódromos do Rio e de São Paulo, de forma debochada e irreverente vimos a figura de um presidente que ao ser vacinado, vira um Jacaré. Outro desfile trouxe a reflexão do que estamos fazendo com nossa Casa Comum, o planeta água.
Vimos desfilar diante de nossos olhos mestres da cultura popular e a história dos marginalizados e esquecidos da história oficial de nosso país.
Os desfiles das Escolas de Samba se aprimoram cada vez mais em pesquisas, para a partir da história, trazer até nós a crítica e as denúncias das mazelas sociais. Nos desfiles do maior show da terra, aprendemos através da cultura popular o quão igual todas e todos somos. E quão importante é a democracia, a liberdade, a verdade e a vida.
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Se 2022, por ora nos apresenta como sendo um ano desafiador, também nos apresenta como sendo o ano da quebra de paradigmas. Da não aceitação das notícias falsas, do ódio, da intolerância, da LGBTfobia e do racismo.
2022 é ano de esperançar
Estamos numa encruzilhada, casa de Exu, que favorece o diálogo, a comunicação, a criação de pontes e a negação dos muros. Esta encruzilhada é a possibilidade de nossa mobilização e revolução.
2022, é o ano de colocarmos em prática a lição número um, que nos foi deixada pelo mestre da educação popular Paulo Freire: é ano de esperançar.
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E esperança sempre vem acompanhada de transformações, sonhos e desejos. Nossa tarefa é simplesmente a de acreditar que podemos, que devemos e que vamos transformar e retomar os rumos de nosso Brasil. Por isso, estamos construindo o II EGBE – PARTE DE NÓS, um espaço onde seremos nós mesmos protagonistas de nossas histórias e caminhos.
Assim quer Exu, que veio na frente abrindo os caminhos, limpando as mazelas do racismo e dizendo: “Boa noite, moça, boa noite, moço. Aqui na terra é o nosso templo de fé”...
Makota Celinha Gonçalves é jornalista, empreendedora social da Rede Ashoka e coordenadora nacional do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB).
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* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
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Edição: Elis Almeida