Minas Gerais

Coluna

Sobre mulheres e independências

Imagem de perfil do Colunistaesd
É impossível mensurar conquistas e atrasos se falamos de mulheres sem fazer algum recorte étnico e social - Foto: Agência Brasil
Mulheres são apenas 15% das integrantes da Câmara Federal

Há pouco tempo, durante uma aula de “pré história”, duas alunas me perguntaram se nós avançamos no combate ao machismo.

Pensei no que responder a elas, que estavam no sexto ano. O primeiro impulso foi falar que “sim, claro, o melhor momento da história para ser mulher é esse”, para não desanimá-las.

Se a Imperatriz não é mencionada na Independência do Brasil, imagina a Maria Quitéria

O segundo foi explicar que avançamos, mas que precisamos de uma longa caminhada ainda e que precisamos especificar a que mulheres estamos nos referindo, pois somos muitas. Tentei responder com os dois vieses e prometi que voltaríamos a esses temas.

A relação que elas fizeram veio do assunto em pauta, os hominídeos. Um comentário clássico que aconteceu na turma foi sobre os homossexuais, que elas rapidamente identificaram como machismo, ainda que não tenham dimensionado a complexidade estrutural dessa questão. Eu disse, perguntando: “é claro que tivemos conquistas, mas esse Brasil é realmente independente para nós mulheres, especialmente no que tange pretas, indígenas, periféricas, LGBTQIAP+, entre tantas outras?”. A resposta a essa indagação vem rápida e simples: “não!”.

Apagamento

Durante outra aula, em outra região da mesma cidade, mas no Ensino Médio, o tema era a independência do Brasil.

Falávamos sobre D. Leopoldina, Maria Quitéria e Joana Angélica. Rapidamente os alunos constataram que o material e conteúdo apresentados por mim não correspondiam aos dos livros didáticos que, por mais que questionasse o quadro clássico de Pedro Américo apontando que o grito do Ipiranga não se deu daquela forma, não dava ênfase as mulheres nesse processo histórico.

Devemos nos organizar aberta e constantemente

Foi quando a turma se questionou sobre o apagamento das mulheres e ponderei: “bom, se a Imperatriz que era de uma posição social muito alta não é mencionada, imagina a Maria Quitéria e tantas outras que não sabemos”.

Nenhuma dificuldade dos alunos em concordar com isso.

Feminismos

Os temas sobre os feminismos vêm assim de forma avassaladora e cotidiana. Nas aulas, nos bares, nas conversas formais e informais em todos os espaços, nos reality shows, nas pesquisas. E ele requer cuidados.

Precisamos entender do que estamos falando e sobre que tipo de feminismo falamos. É impossível mensurar conquistas e atrasos se falamos de mulheres sem fazer algum recorte étnico, social, de gênero ou sexualidade, a interseccionalidade é mais que necessária, é imprescindível. 

90 anos do direito de voto das mulheres no Brasil

A contemporaneidade escancara que algumas mudanças parecem pegar o caminho de volta, aquele do reacionarismo. Elegeu-se um presidente que não esconde nem um pouco sua misoginia, até o celebra, legitima a cultura do estupro, dentre tantas outras violências.

Aqui me remeto ao incomodo e pensamentos que vieram quando uma amiga chamou a atenção para um fato importante: " é antes da frase "quando falamos que Marielle Franco vive (e sim, ela vive, ela é raiz!), será que a deixamos viver mesmo, no sentido mais amplo da palavra?

Esse ano completam 90 anos que nós, mulheres, conquistamos o direito de voto no Brasil (1932) e ainda assim, 900 municípios não tiverem nenhuma vereadora eleita nas eleições de 2020.

Na Câmara Federal, as mulheres são apenas 15% das integrantes, no Senado o número cai para 11%.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

A Agência Câmara de Notícias aponta que o Brasil perde para quase todos os países da América Latina em percentual da participação política nos legislativos, só estamos na frente somente do Paraguai e Haiti.

Em nível mundial de ocupação de cargos, ficamos com a posição de número 140 em um ranking de 192 países pesquisados pela União Interparlamentar.

Então, como responder rapidamente sobre avanços sem cair em armadilhas evolucionistas e de conquistas ainda poucas?

:: Leia outros artigos da Coluna Portal do Bicentenário ::

O primeiro passo é entender que somos muitas, e as diferenças têm que ser levadas em consideração a priori. As respostas não são fáceis e curtas e aqui lanço mão de Lélia Gonzalez que deixava claro que as diferenças precisam ser reivindicadas, as marcas que muitas mulheres trazem em si, da exploração econômica, da subordinação racial e sexual é a marca da libertação de todos e todas.

Por isso devemos nos organizar aberta e constantemente.  

Maria Beatriz Porto é doutora em História (PPGHIS/UFRJ), professora na Educação Básica e membro do Portal do Bicentenário

--


Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

 

Edição: Elis Almeida