Muito se fala da segregação racial praticada nos Estados Unidos, mas o que nem todos sabem é que algo semelhante também foi vivenciado no Brasil, inclusive em Minas Gerais. É o que relata Valdir de Paula, ou Pico, como é conhecido entre os amigos. Durante sua juventude em Leopoldina, na Zona da Mata, Pico e todos os jovens negros da cidade eram proibidos de frequentar o clube social do município. O único espaço de cultura e sociabilidade permitido a eles era o Cutubas, clube social fundado por negros em meados de 1925.
O espaço era, e segue sendo, um reduto de resistência, de produção cultural e de ancestralidade da população afrodescendente do município. Leopoldina, segundo pesquisadores, foi uma das cidades mineiras com o maior contingente de negros escravizados do estado. E, de acordo com Pico, um dos últimos municípios mineiros a abolir o regime de escravidão contra pessoas negras. Um passado racista que se perpetua até os dias atuais.
Para relembrar esse passado e dar continuidade ao processo de resistência, acontece em Leopoldina, o segundo Encontro Estadual de Clubes Sociais de Negros. O evento está agendado para os dias 3, 4 e 5 de junho.
“Quando começamos a nos articular para esse encontro, as pessoas perguntavam ‘pra que mexer com isso, Pico, ficar resgatando coisa antiga?’”, relata o ancião. Mas, o fato é que o preconceito e a desinformação ainda são elementos muito presentes na sociedade.
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Pico conta que há pouco tempo o Cutubas recebeu alunos do ensino médio da cidade que, em uma atividade escolar, visitaram os dois clubes sociais de Leopoldina, dos negros e dos brancos. No entanto, duas alunas da turma se recusavam a entrar no Cutubas, porque, para elas, o local seria um espaço de confusão e de brigas.
Pico e o professor da turma conseguiram reverter a situação e todos conheceram a história do clube. “No final nós perguntamos para a turma. De qual dos clubes vocês gostaram mais? E eles gritaram juntos: ‘Cutubas’”, relata Pico, que é ex-presidente do clube.
Sobre o encontro
A primeira edição do evento aconteceu em 2010 em Sabará, quando foi criada a Associação Mineira de Clubes Sociais Negros. O segundo encontro estava previsto para 2020, mas, devido à pandemia, teve que ser cancelado.
A crise sanitária também fragilizou o funcionamento dos clubes, que em sua maioria são organizados e gerenciados por idosos. Por isso, o principal objetivo do evento é fortalecer essas entidades para que a memória, a luta e a resistência dos clubes sociais sigam perpetuando.
“É uma forma que a gente tem de, em conjunto, mostrar que existe a necessidade de voltar a atenção para essa população. Também queremos divulgar ações patrimoniais e políticas públicas que temos direitos e como acessá-las”, explica Lourdes Ida, presidenta da associação.
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De acordo com a entidade, atualmente há 15 clubes ativos em Minas Gerais e mais de 20 que já foram encerrados. No entanto, a estimativa é que esses números possam ser maiores. Pesquisadores estão com um cadastramento aberto para catalogar todas as entidades do território nacional. Os clubes que quiserem se cadastrar precisam preencher um formulário no portal clubessociaisnegros.com.
Desde 2008, o governo de Minas Gerais reconhece os Clubes Sociais de Negros como de interesse cultural do estado. A legislação 23.208/2018 garante às entidades o direito de proteção específica, como tombamentos ou registros de patrimônio histórico.
Conheça mais
As histórias dos clubes sociais de negros já foram contadas em diversos livros, filmes e documentários. O Cutubas, por exemplo, protagonizou a trama retratada no livro de Margareth Cordeiro Franklin intitulado “Cutubas: clube de negros, território de bambas. Memória e território afrodescendente em Leopoldina”.
Outros clubes pelo país também foram retratados em livros e documentários que podem ser acessados no link.
Edição: Larissa Costa