Minas Gerais

CONJUNTURA

Artigo | A aposta golpista do centrão

O “centrão” é a versão pós-1988 da fração da elite tradicional que aluga seu poder para quem controla as massas urbanas

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Deputados como Arthur Lira são o braço federal de uma ampla rede de poder em suas bases eleitorais - Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

Prevalece entre os analistas políticos a ideia de que o “centrão” está fazendo uma escolha de alto risco ao insistir na sustentação do governo Bolsonaro. Com o orçamento secreto e alguns cargos chave em órgãos, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, e em estatais, como a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), o centrão, liderado pelo presidente da Câmara Arthur Lira, garantiu o controle sobre uma parcela enorme do orçamento.

Segundo analistas políticos, como o sociólogo Celso de Rocha Barros, o butim é tão grande que os líderes do centrão estariam dispostos a arriscar todo seu poder político ao invés de tolerar as manobras abertamente golpistas de Bolsonaro.

Nessa perspectiva, um golpe bem-sucedido por parte de Bolsonaro reduziria os poderes dos deputados do centrão e de seus líderes. A ideia é nítida: um golpe implicaria amplos poderes para o Poder Executivo e para os militares, às custas do Congresso e do Judiciário. Bolsonaro poderia cancelar eleições e até mesmo fechar o Congresso. Nesse cenário, o poder dos congressistas e, portanto, do centrão, deixaria de existir.

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Caso Bolsonaro não consiga dar um golpe, os deputados do centrão terão aproveitado os 30% de eleitores de Bolsonaro e as gordas emendas do relator para garantir uma posição forte para negociar com o próximo presidente. Resumindo, com golpe, Arthur Lira perde seu poder; sem golpe, se garante como o “primeiro-ministro” do próximo governo às custas de Bolsonaro. Uma estratégia de alto risco que conta com a loucura da base mais fanática de Bolsonaro e o poder do orçamento secreto e outras tetas na máquina pública.

Com a inflação dando sinais de que não vai arrefecer até a eleição e sem nenhum sinal de crescimento no horizonte, essa estratégia parece verdadeiramente arriscada. No entanto, acredito que os analistas que montam esse cenário estão valorizando o tamanho do risco que Arthur Lira e sua gangue estão correndo. Um golpe não é o fim do centrão. Talvez não seja nem sequer uma diminuição do poder do centrão.

O poder dos deputados do centrão, principalmente de suas lideranças, não depende apenas de votos. Como demonstrado em reportagem da Piauí, deputados como Arthur Lira são o braço federal de uma ampla rede de poder em suas bases eleitorais que incluem tabeliães, prefeitos, vereadores, deputados estaduais, além de empresários e funcionários comissionados de estatais e de agências reguladoras.

Nada disso vai desaparecer. Arthur Lira perderá a força dos 143,8 mil votos que obteve em 2018, mas continuará como o representante e líder dessa rede. Isso vale para Aécio Neves no interior de Minas Gerais ou para a rede miliciana que sustentava Bolsonaro antes de ele ser alçado à presidência. Sim, perderão poder como membros de um Congresso que será humilhado por um Bolsonaro ditador.

Se Bolsonaro conseguir passar por cima do Supremo Tribunal Federal (STF) e da oposição, precisará dessas redes de poder local. Além do núcleo mais militante de sua base, Bolsonaro parece dispor hoje de uma parte do exército e das polícias para sua aventura golpista. Talvez seja suficiente para dar o golpe, mas dificilmente será suficiente para governar o país num regime ditatorial.

Caso suceda na sua empreitada antidemocrática, Bolsonaro será um ditador pouco popular, governando um país em frangalhos e sem muito apoio internacional. Não há polícia, exército ou militante armado que imponha ordem social nessa situação. Arthur Lira e sua turma não terão mais votos no Congresso para vender, mas poderão vender o outro serviço que consta em seu portfólio, o controle do poder local.

Regimes ditatoriais não são governos de uma pessoa só. Dependem de toda uma estrutura de poder que transmita e implemente os desígnios autoritários do poder central na realidade concreta. Bolsonaro com certeza tentará tomar para si ou formar suas próprias correias de transmissão do poder central caso suceda na empreitada golpista.

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Certamente, tentará roubar essa função de Arthur Lira e caterva. Mobilizará a escória urbana e rural que se conecta diretamente a ele (garimpeiros ilegais, milicianos, desmatadores) e contará com o apoio dos militares, que se imaginam paladinos da justiça contra os políticos civis. Mas competirá com a mesma elite tradicional, que é dona desse país desde que João III de Portugal distribuiu capitanias hereditárias (em alguns casos essa frase é literal). Afinal, o tal “centrão” é a versão pós-1988 da fração dessa elite tradicional que topa alugar seu poder para quem controle as massas urbanas que se formaram no século passado.

Portanto, o centrão dificilmente desaparecerá num golpe. Se Bolsonaro destruir a democracia brasileira, o poder dos líderes do centrão dependerá de quão forte Bolsonaro emergirá da empreitada golpista. Talvez Arthur Lira e sua turma emerjam mais poderosos, ainda que com poderes diferentes. Um ditador fraco é mais fraco do que um presidente fraco.

A aposta do centrão, portanto, não é tão arriscada. Ganham na derrota de Bolsonaro, na vitória de Bolsonaro e, muito provavelmente, no golpe de Bolsonaro. E para nós, que não somos golpistas, fica a lição de que não será suficiente vencer o bolsonarismo.

 

 

Pedro Faria é economista e historiador. É pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa