Conluio das instituições do Estado com a classe dominante atua cotidianamente
Aldemir Silva Pinto, hoje assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes de Almeida, em Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, em uma roda de conversa sobre a luta pela terra em 2014, afirmou sobre as ameaças de morte que sofreu:
“Eu também sofri uma ameaça forte de morte, de gente daqui do Salto da Divisa em 2014. Eu estava na fazenda Monte Cristo. Um homem apelidado de Casagrande caminhou no meu rumo e disse que ia semear gasolina no Acampamento Dom Luciano – atualmente Assentamento Irmã Geraldinha, na Fazenda Manga do Gustavo -, incendiar tudo e matar os que sobrassem. Disse que todos nós Sem Terra iríamos morrer. Ouvi, fiquei calado e depois retruquei: “É só mostrarem o documento da terra. Casagrande, você sabe que nós podemos te denunciar?”
Cheguei ao acampamento e contei para os companheiros, que foram comigo lá na sede da Polícia Militar em Salto da Divisa. Lá, comecei a conversar com o sargento da Polícia Militar. Um que era parente disse para deixar isso para lá. Retruquei: “Isso não é brincadeira. É coisa muito séria”. O Sargento registrou a ocorrência e eu saí de lá com uma cópia na mão. Enviamos cópia para o Deputado Rogério Correia, do PT. Representamos contra o ameaçador também na delegacia da cidade de Jacinto. O delegado me disse que iria investigar”.
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Na luta pela terra e/ou pela moradia, perder o medo e adquirir coragem é um dos primeiros passos no processo de emancipação humana. A passagem do medo, que reproduz a resignação, para a coragem, que produz engajamento na luta contra as injustiças, normalmente acontece com a combinação de lutas concretas, rede de apoio e conhecimento adquirido, que desnuda a ideologia dominante e escancara a engrenagem de violação dos direitos humanos fundamentais.
Conluio
O conluio das instituições do Estado com a classe dominante atua cotidianamente no sentido de frear as iniciativas emancipatórias. Isso se dá quando não se investiga e desconversa dizendo que os tribunais estão abarrotados de processos. A lentidão do poder Judiciário é proposital para disseminar a descrença de que é possível obter justiça.
Mais do que lentidão o que ocorre é cumplicidade do poder judiciário com a espiral de desigualdade e violência reinantes. Nesse contexto, os Sem Terra na luta pela terra e os Sem Teto na luta pela moradia atuam no sentido de bloquear esse ciclo vicioso e instalar um ciclo de conquistas de direitos sociais.
Cleonice dos Santos Silva Souza, atualmente Sem Terra assentada no Assentamento Dom Luciano Mendes, percebe a relação que há entre luta pela terra, ameaças, rede de apoio e conhecimento dos próprios direitos. Quanto menos apoio mais ameaça, e quanto mais apoio menos ameaça. Quando se adquire conhecimento dos próprios direitos altera-se o posicionamento no conflito agrário e social. Diz ela:
“As ameaças diminuíram por causa do apoio que passamos a receber. Eles sabem que hoje nós não estamos sozinhos. Eles sabem que sabemos dos nossos direitos. Antes, a gente não conhecia nossos direitos”.
Pessoas com conhecimento, pessoas corajosas
Na mesma linha de pensamento, Aurelino Lopes do Nascimento, outro Sem Terra, hoje, assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes, revela a sabedoria adquirida na luta pessoal e coletiva:
“Naquela época, a justiça era feita pelo coronel ou por quem tinha dinheiro. A vontade deles era a lei. Antes, quem tinha terra falava para o fulano ir fazer algo e ele ia, pois ele era pobre e não entendia nada. Era puxado pelo cabresto. Devagarzinho, o conhecimento foi chegando e expulsando o medo. Alguém ia para a cidade de Vitória da Conquista ou para Belo Horizonte e voltava ensinando, trazendo uma ideia nova. Ia instruindo. Devagar a ignorância foi diminuindo. Isso depois de a gente ouvir muitas notícias de ocupação de terra por muitas partes do Brasil. No rádio e na televisão sempre se falava de invasão. Depois descobrimos que era ocupação e não invasão”.
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Em suma, a luta coletiva por direitos sociais tem o poder de exorcizar o medo das pessoas e transformá-las em pessoas corajosas, de cabeça erguida. Por isso, acertadamente, os movimentos sociais gritam: “Só a luta muda a vida!”, “Quem luta, educa! Quem educa, luta!”, “Direitos se conquistam na luta, de cabeça erguida, e jamais pedindo ajoelhados e de cabeça baixa”.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.
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* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida