Minas Gerais

Coluna

A Serra do Curral pertence ao povo

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No dia 11 de dezembro de 2018, o Copam aprovou a expansão da mineração da Mina Córrego do Feijão. Pouco mais de um mês depois, mais de 270 pessoas foram mortas em detrimento do rompimento - Foto: Reprodução
O processo de licenciamento ambiental não deve ser feito de maneira atropelada como está acontecendo

Mesmo com toda a mobilização da sociedade civil nos últimos meses e, principalmente, nas últimas semanas, os membros do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), decidiram conceder o licenciamento ambiental à Tamisa, mineradora que pretende extrair milhões de toneladas de minério da Serra do Curral.

Isso nos coloca diante de inúmeras preocupações, visto que já sabemos como as mineradoras atuam em Minas Gerais: priorizam o lucro desenfreado, passando por cima da fauna, da flora e da vida humana. Vimos o que aconteceu em Mariana e depois em Brumadinho. Esses crimes deveriam evidenciar que o processo de licenciamento ambiental não deve ser feito de maneira atropelada como está acontecendo agora e que a sociedade civil precisa de mais voz nas instâncias de decisão.

Lembrando que no dia 11 de dezembro de 2018, por 8 votos a 1, o Copam aprovou a expansão da mineração da Mina Córrego do Feijão. Pouco mais de um mês depois, mais de 270 pessoas foram mortas em detrimento do rompimento de uma das barragens da mina. Da formação do Copam na época, dois conselheiros são os mesmos. Ambos votaram a favor da expansão da mineração da Vale em 2018 e pelo licenciamento ambiental à Tamisa no dia 29 de abril de 2022.

Serra já é ameaçada por outras mineradoras

É importante ressaltar que a Serra do Curral já está sendo minerada há muito tempo por outras empresas. A Gute Sicht Mineração opera no local por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ou seja, sem licenciamento ambiental. Em 2020, foi descoberto que essa mesma empresa estava extraindo minério de ferro de maneira ilegal, sob a fachada de que estava apenas fazendo a terraplenagem da área. Isso não aconteceu só uma vez, o que me faz indagar porque a mineração por meio de TAC ainda ocorre.

A Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) fez a mesma coisa, conforme suspeitas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de Belo Horizonte em 2018. A empresa já havia cometido diversos crimes afirmando falsamente que estaria trabalhando pela recuperação ambiental do território que minerava desde os anos 1950.

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Mesmo assim, conseguiu operar por meio de um TAC, que foi renovado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) em 2016 e 2017. A CPI recomendou a paralisação das atividades da Empabra mediante as suspeitas de que estava minerando ilegalmente e, em setembro de 2019, mais uma vez foi constatado que a empresa estava operando na região, contrariando todos os contratos firmados que limitavam a extração minerária.

Mais uma triste “coincidência” é que uma das sócias da Tamisa é a construtora Cowan S.A., a mesma empresa que foi responsável pelo viaduto que desabou em Belo Horizonte, na Avenida Pedro I, em 2014.

Nas imediações de onde poderá se instalar o empreendimento da Tamisa está também a Vale e a AngloGold. Ou seja, já estamos vivendo a destruição de nosso patrimônio. Em contrapartida, ao invés de fiscalizar minuciosamente essas mineradoras, o governo estadual prossegue com a permissão para que mais uma empresa destrua nossa paisagem e nossos recursos naturais.

Riscos ao ambiente a á saúde da população

Os impactos ambientais do empreendimento da Tamisa vão prejudicar o abastecimento de água em Belo Horizonte, aumentar o risco de deslizamentos de terra, colocar em risco a vida de dezenas de espécies em extinção, destruir nossas montanhas, além de prejudicar a vida dos moradores de Nova Lima que estão no pé da serra. Barulho, poeira, risco de contaminação e danos à saúde mental e física são alguns dos efeitos que poderão ser sentidos pela população.

Isso não é uma previsão infundada, isso acontece com as centenas de moradores que vivem próximos às mineradoras ou que têm qualquer tipo de contato constante com a sujeira causada pela exploração minerária.

Por exemplo, em Barra Longa, município localizado a 170 quilômetros de Belo Horizonte, onde a população foi atingida pela barragem de Fundão que se rompeu em 2015, existem relatórios da Ambios (empresa contratada para fazer o levantamento dos danos à saúde na população de Barra Longa e Mariana) que comprovam a contaminação no sangue de diversas pessoas.

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Essa contaminação se deu porque algumas áreas da região foram diretamente atingidas pela lama tóxica, o que fez com que os alimentos plantados e os animais fossem também contaminados. A poeira levantada pelos caminhões da Vale também foi e é um agravante na saúde respiratória da população, que passou a respirar o ar contaminado todos os dias.

Processo atropelado

Muitos que estavam presentes na reunião realizada pelo Copam evidenciaram os danos que poderão ser causados à população, bem como os traumas que sofreram com os crimes passados (e atualizados constantemente) pelas mineradoras. Me pergunto como é que se pode simplesmente ignorar as manifestações do povo? Isso é democracia? Ou uma decisão unilateral que já estava tomada há muito tempo pela maioria dos conselheiros? Insistiram pela votação, que foi feita na madrugada, depois das 3h, quando a reunião já estava esvaziada.

O fato mais evidente de que esse licenciamento é irregular é que a Serra do Curral está em processo de tombamento estadual pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), o que inviabiliza o empreendimento da mineradora. Também há o fato de que uma comunidade quilombola está há apenas 3 quilômetros de onde o empreendimento poderá ser instalado. Isso também inviabiliza o projeto.

Romeu Zema (Novo) fez questão de atrasar o processo de tombamento da Serra, pois sabia que seria um fator agravante. Sendo assim, onde é que está a lisura desse licenciamento? Onde é que está o respeito pelo povo de Minas Gerais? Sabemos que não é coincidência que os que votaram favoráveis à mineração sejam representantes indicados pelo governo Zema e representantes da indústria de mineração. Mas, e o povo? Será ouvido? A participação popular é essencial, pois são os moradores que sentirão, e já sentem na pele (literalmente), os impactos da mineração ao lado de suas casas.

O produtivismo desenfreado não pode estar acima da vida. Não vamos permitir que os empresários encham os bolsos às custas de nossas vidas e de nosso meio ambiente. Se estamos dispostos a continuar utilizando a natureza a nosso favor, isso significa respeitá-la e não destruí-la. Sem a natureza, não existiríamos.

Tomando emprestada as palavras de Ailton Krenak, liderança indígena e escritor, “devíamos admitir a natureza como uma imensa multidão de formas, incluindo cada pedaço de nós, que somos parte de tudo: 70% de água e um monte de outros materiais que nos compõem”. Krenak é um importante autor que nos ajuda a compreender que a natureza não precisa ser esgotada e explorada tão intensamente para que possamos viver com qualidade. A natureza não está aqui para servir ao império da mineração.

Pedro Patrus é vereador pelo PT em Belo Horizonte.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa