Minas Gerais

CATÁSTROFE

Artigo | Do sionismo à Nakba palestina

O sionismo é um movimento político que estabeleceu seu poder por meio da colonização nos territórios palestinos

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
São anos e anos de violência contra o povo palestino - Foto: Ahmad Gharabli/AFP

Há pouco mais de 74 anos, o Estado de Israel foi fundado oficialmente, diante de 57 testemunhas que representavam seus respectivos países, inclusive o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, que foi o responsável por presidir a sessão da Organização das Nações Unidas (ONU) na ocasião. Em menos de três minutos, o destino de milhares de palestinos foi traçado e decretado pelos 33 países que votaram favoráveis à Resolução 181 de partilha da Palestina.

Alguns meses depois, em maio de 1948, foi declarada a independência de Israel e, consequentemente, a tentativa de limpeza étnica da Palestina. A data – 14 de maio – é celebrada internacionalmente, até hoje, sobretudo entre a comunidade judaica que apoia o estabelecimento de Israel – o que exclui muitos judeus ultra ortodoxos, já que esses defendem que um Estado judeu só poderia ser criado a partir da vinda do Messias à Terra, como consta na Torá. Mas se existe um grupo que, definitivamente, não tem o que comemorar nessa data é o dos palestinos, sejam eles residentes no território ocupado ou em diáspora. Para os palestinos, a data é marcada como a Nakba, palavra que significa catástrofe, em português.

É necessário ter em mente que o estabelecimento do Estado israelense foi, desde o seu planejamento inicial, no final do século 19, um plano de transferência e remoção de árabes palestinos do território em que viviam. Também não devemos perder de vista que o planejamento dessa execução começou muito antes da Segunda Guerra, o que coloca em xeque a constante afirmação de que o estabelecimento de Israel foi uma forma de compensar os judeus que foram perseguidos e ameaçados durante o Terceiro Reich.

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A questão é que o sionismo, fundado por Theodor Herzl, tinha como objetivo, desde o início, a construção de um Estado exclusivo para os judeus de todo o mundo. Para tal empreendimento, países como Uganda e Chipre chegaram a ser considerados como terrenos de um Estado judaico.  Essa informação nos coloca diante de uma questão importante que não deve, nunca, ser esquecida: a religião não é e nunca foi o mote para que construíssem um Estado na Palestina. Talvez esse argumento tenha mesmo caído como uma luva, mas ao analisarmos os acontecimentos ao longo da história, tem-se vívido que o sionismo é, acima de tudo, um movimento político e que estabeleceu seu poder por meio da colonização nos territórios palestinos.

Quando o Estado de Israel foi promulgado, pelo documento de partilha, no final de 1947, os problemas eram muitos. Os anseios palestinos não foram levados em consideração e o número de árabes palestinos e judeus vivendo na região era profundamente desigual, sendo que a grande maioria era árabe. Além disso, até 1947, os judeus possuíam 5,8% de terras, e na partilha conquistaram o direito de ocupar 56% da região.

Mesmo com todas as injustiças presentes na decisão de dividir o território em dois, os acontecimentos posteriores comprovaram que, para os sionistas, a partilha era apenas um meio de ocupar o território palestino quase em sua totalidade (como vemos hoje), pois o que se seguiu foi uma sequência de sangrentas invasões nas aldeias palestinas, por meio do Plano Dailet (Plano D), em abril de 1948. O plano utilizava forças armadas do exército israelense e as frentes paramilitares Haganah, Irgun e Stern, com o objetivo de disseminar o pânico entre os árabes, forçando-os a deixar suas terras.

Com a independência de Israel, em maio de 1948, Chaim Weizmann foi eleito o primeiro presidente do Estado. Diante disso, a Liga Árabe reuniu soldados de cinco países árabes para formar uma resistência, enquanto o exército israelense seguia ocupando as regiões que não lhes eram destinadas na partilha. Havia cerca de 250 mil refugiados palestinos que, mesmo com as ocupações deliberadas pelos sionistas, acreditavam que tudo era temporário e o exército árabe conseguiria deter o avanço israelense em suas terras que cultivaram durante anos.

O exército judaico prosseguia matando homens e expulsando mulheres, crianças e idosos para as fronteiras. O número de refugiados palestinos em países vizinhos já chegava a meio milhão em 1949; contando com os que ficaram nas regiões da Cisjordânia e na Faixa de Gaza, beirava os 726 mil. A diáspora palestina ficou conhecida entre os refugiados como uma catástrofe, al-Nakba, enquanto para Israel, o evento é chamado de Guerra da Independência.

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A Nakba palestina, rememorada anualmente no dia 15 de maio, é um acontecimento pouco tratado pela imprensa, quase como se não passasse de um mito ou de pura invenção da população árabe. Entretanto, existem documentos que comprovam a catástrofe palestina tal como ela é narrada oralmente ao longo desses 74 anos, como mostrou os historiadores Ilan Pappé, Nur Masalha, Ghassan Kanafani e Ralph Schoenman. Expulsão em massa, genocídio, limpeza étnica... há muitas maneiras de qualificar os acontecimentos de maio de 1948 que se estendem até hoje em múltiplas Nakbas cotidianas.

Existe uma tentativa de deslegitimação das críticas a Israel ao relacioná-las ao antissemitismo. Pensadores e pensadoras, inclusive de origem judaica, já foram alvos dessas acusações simplesmente por se colocarem contra a violência do Estado de Israel cometida contra a população palestina. O holocausto é utilizado para silenciar as denúncias de violações de direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, na Faixa de Gaza e dentro do Estado de Israel, de forma que qualquer um que se demonstre contra essas violações é tachado de antissemita.

São anos e anos de violência contra o povo palestino e, embora seja nítida a superioridade econômica e militar de Israel, a imprensa comercial ocidental, em sua maioria, continua a tratar do tema como apenas um conflito no qual existem dois lados lutando por um território. Enquanto isso, o povo palestino é atacado, desapropriado e sufocado por forças israelenses que conquistaram o direito de matar a partir do momento em que tiveram o empreendimento colonial validado internacionalmente.

Juliana Carvalho é jornalista e mestre em Comunicação. Pesquisa a questão Palestina e seus enquadramentos na mídia a partir da perspectiva da violência.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa