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Crônica | Desenrola, bate e joga de ladin

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Há pessoas que só saem pelo mesmo lugar que entrou. Não passam debaixo de escadas. Há outras pessoas que usam uma mesma roupa íntima para certas ocasiões - Foto: Reprodução
As superstições são extremamente arraigadas na cabeça e no inconsciente coletivo do povo brasileiro

As chamadas superstições, ou o chamado pensamento mágico, são extremamente arraigadas na cabeça e no inconsciente coletivo do povo brasileiro. Vai de gente famosa até gente anônima. Sempre vai existir um ou outro que acredita em alguma coisa, no mínimo, inusitada.

Você pode ser até marxista, ateu, terrivelmente evangélico, votar no Lula ou no Bolsonaro, mas sempre vai acreditar em alguma coisa também. Não tem jeito!  

Há pessoas que só saem pelo mesmo lugar que entrou. Não passam debaixo de escadas. Há outras pessoas que usam uma mesma roupa íntima para certas ocasiões. Também há aqueles que pulam sete ondas na entrada do ano, mesmo falando mal das religiões de matrizes africanas.

Já vi de tudo nesta vida. Há um cantor famoso que só usa branco. Vários jogadores de futebol que só entram em campo com o pé direito. Nelson Rodrigues fala que só os neuróticos chegarão perto de Deus.

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Mas, uma história me chamou a atenção numa festa na casa de um casal de amigos. Lá pelas tantas, com muita cerveja e cachaça na cabeça, muitas verdades começaram a vir à tona.

No fundo da casa, começou uma música no último volume. Todo mundo animado e dançando. A alegria tomava conta do pedaço. Tinha até coreografia. A música do momento começou a tocar:

“Não é novidade, nós destrava no passinho
Cozinhando hit, nós lançou essa daqui
Envolvência pura, pique gostosin
Vem jogando, desloca o ombrinho

Desenrola, bate e joga de ladin
Desenrola, bate e joga de ladin”

De repente, começou um bate-boca tremendo e puxões de cabelos. A mãe do meu amigo e a esposa dele começaram a trocar farpas:

- Olha essa lambisgoia de quinta categoria dançando essa música indecente. Você não era o que sonhei para o meu filho. Você nem sabe falar direito. Jamais gostei de você. Usa umas roupas bem curtinhas, o que não pega bem para uma mulher casada. Além de tudo, faz prancha no cabelo.

- Você é uma velha que não se enxerga, né? Tem um mau hálito de gambá danado. E ainda votou no Bozo. Fora que é uma baranga de carteirinha.

O pau estava quebrando feio. A turma do “deixa disso” interferiu e conseguiu apaziguar as duas. Foi quando a esposa do meu amigo soltou mais uma na cara da sogra:

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- Só mais uma pra você ficar na sua. Você também é pobre pra caramba. Vive aqui pedindo dinheiro pra gente. Quem pagou seu Uber até aqui? Seus boletos vivem atrasados e o aluguel do apartamento. Nesses cinco anos de casamento, você só me deu toalha de banho. Isso é presente de pobre. Ainda vai à manifestação na Praça da Liberdade com bandeira do Brasil nas costas sem um “puto” no bolso.

Pra que a mulher do meu amigo foi falar isso, caramba!?!  A temperatura esquentou novamente. Até a música parou.

A mãe dele veio lá de fora igual a uma cascavel e soltou o veneno na cara da nora e aos berros para todo mundo ouvir:

- Ridícula, horrorosa, cabelo de chapinha, favelada, comunista. Vai pra Cuba! O presente de toalha de banho é mandinga pra separar você e meu filho, sua sem-terra. Era pra você ir pra bem longe da gente. Pra nunca mais voltar. Só que o feitiço ainda não funcionou. Tenho muita fé em Deus que um dia vai funcionar. Minha cartomante jurou que ainda vai funcionar essa mandinga.

Depois disso, a mãe do meu amigo sumiu da festa. Jogando muitas pragas na nora.

Aí o bate-boca espalhou entre os convidados. O clima azedou de vez. Todo mundo começou a ir embora de fininho.

Um amigo que mora perto da minha casa, me ofereceu uma carona.  Só que fez um caminho completamente esquisito e deu uma volta danada.

- Por que você fez esse caminho mais longo?

- Faço o mesmo caminho de quando fui. Vou e volto pelo mesmo lugar.

- Que coisa, minha nossa senhora da Penha!

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa