Passamos por uma crise socioeconômica e política de gravidade raras vezes vista em nossa história. Sair dela não só será muito difícil como também requererá bastante tempo e muitas ações nas esferas da sociedade, da economia e do Estado.
Este quadro tão complexo expressa-se em inúmeros dramas, mas também nos coloca frente a diversas armadilhas, que precisam ser evitadas para ser possível constituir alternativas eficazes e sairmos dessa gravíssima situação.
No âmbito da economia e do trabalho, o crescimento do PIB é pífio, bem como da ocupação, resultando em elevado contingente de trabalhadores que estão desocupados ou subutilizados desde a crise iniciada em 2014, e que ainda não foi, em nenhum momento, nem mesmo parcialmente revertido. Esta crise consolidou processos estruturais que bloqueiam a perspectiva de um crescimento estável a longo prazo, notadamente a desindustrialização da economia e o baixo crescimento da produtividade do trabalho.
Para enfrentar a situação
Para enfrentar essa situação, é preciso evitar a armadilha de apostar que mudanças nas políticas macroeconômicas e setoriais ao alcance do Estado atual possam sozinhas reverter a situação. Reindustrializar de fato setores ou parte de cadeias setoriais, hoje muito dependentes de insumos e componentes manufaturados importados, requer a articulação de diversos procedimentos de grande complexidade. Haja visto que mesmo no auge da popularidade dos governos do PT, houve apenas algumas iniciativas em certos setores, sem nenhum resultado significativo em termos gerais, além de tais iniciativas terem sido interrompidas nos últimos seis anos.
Esta articulação exige recursos financeiros expressivos e ações políticas frente ao Mercosul e OMC, além de enfrentar oposições de segmentos importadores e de uma opinião pública preocupada com eventuais aumentos de preços.
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No âmbito específico do trabalho, a armadilha é semelhante e ainda mais evidente, ao se apostar que a situação melhore apenas em decorrência de efeitos provenientes de mudanças nas políticas macroeconômicas. Sem reverter as reformas trabalhista e da previdência aprovadas anteriormente, que incrementaram a precarização das ocupações, a fragilização dos Sindicatos e o acesso à Justiça do Trabalho, uma eventual reação da economia terá efeitos muito limitados sobre a massa salarial, dado o quadro de enorme disparidade de poder do capital frente ao trabalho.
Quanto aos direitos sociais, a redução dos gastos num momento em que são mais necessários, por conta da crise, compõe um quadro dramático, acirrado pela pandemia. Apostar que o crescimento econômico e a arrecadação fiscal possam minimamente fazer frente às demandas sociais é uma armadilha já anunciada pela constatação das limitações impostas pelo teto de gastos e pelos efeitos decorrentes da reforma da previdência.
Romper com o teto
Além de romper com esse teto, ao menos nos termos atuais (em que o aumento de gastos não pode superar a inflação do ano anterior), e tentar restaurar condições mínimas de aposentadoria para os mais pobres (hoje em dia a enorme maioria no máximo chegaria ao salário mínimo após os 63 anos), é necessário retomar o Cadastro Único para tentar articular as políticas sociais, além de realizar uma reforma tributária para reverter, ao menos em parte, a enorme regressividade do nosso arcabouço fiscal, assentado em impostos indiretos que oneram mais aos mais pobres, sem esquecer das enormes isenções que sangram a arrecadação da União em mais de R$ 350 bilhões anuais.
Sob o prisma da dinâmica social e das mobilizações de classes, os últimos anos revelam maior distanciamento de empresários e classes médias das perspectivas de desenvolvimento voltadas à redução da pobreza e das desigualdades. Ao mesmo tempo, os trabalhadores e suas entidades representativas estão enfraquecidos e as direitas nunca estiveram tão mobilizadas desde o golpe de 1964.
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É armadilha acreditar que apenas assumir o poder do Estado pode produzir mudanças substanciais nesse quadro. Sem mobilização, é possível supor que se constitua uma barreira poderosa às transformações relevantes na sociedade brasileira, já que as forças políticas em curso tendem a apoiar os pleitos empresariais, simulando construção de consenso.
Carlos Alberto Bello é professor de Ciências Sociais da Unifesp e pesquisador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania- USP, Cibele Saliba Rizek é professora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP e pesquisadora do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania- USP e Thomaz Ferreira Jensen é economista, assessor sindical e membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
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* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida