“Não faz sentido consultar o povo”, afirmou Romeu Zema (Novo) em uma entrevista, em 2020. Na ocasião, o governador de Minas Gerais criticava a norma da Constituição Estadual que estabelece a necessidade de realizar plebiscitos populares para vender estatais mineiras.
Eleito com a promessa de privatizar empresas que atuam em áreas estratégicas para o desenvolvimento social e econômico do estado, Zema entregou à população mineira uma política liberal, fundamentalista e subordinada à gestão federal de Jair Bolsonaro (PL).
Essa é a avaliação do ex-chefe de gabinete da Secretaria de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (2017-2018), Diogo Santos. Para ele, a política econômica estadual de Zema quase não difere da federal, conduzida pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes.
“O governo Zema parte do pressuposto de que, quanto menos o Estado participar da vida econômica e dos serviços sociais, melhor é. Essa visão não parte de uma constatação prática e não considera a importância das empresas e dos serviços públicos diante dos desafios que Minas Gerais enfrenta. Por isso, além de liberal, ele é fundamentalista”, argumenta Diogo, que também é economista e membro da Fundação Maurício Grabois.
Para Valquíria Assis, presidenta Sindicato dos Economistas de Minas Gerais (Sindecon), ainda que o governador acredite que o povo não deva ser consultado, é a população mineira a mais afetada por essa política.
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“As consequências de uma gestão empresarial do estado é o enfraquecimento de importantes políticas públicas, como as da educação, da gestão ambiental, da saúde, do saneamento e ligadas à energia”, argumenta Valquíria.
Outra prioridade de Zema é a aprovação da adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Se o regime for aprovado, a dívida do Estado com a União pode ser temporariamente suspensa. Porém, será retomada posteriormente com o pagamento de todos os encargos e o valor aumentado.
Além disso, se aderir ao RRF, o estado não poderá realizar concursos públicos, terá que congelar salários de servidores, vender estatais e proibir novos investimentos nas áreas sociais.
Muita vontade e pouca capacidade política
Empresário e dono de uma das maiores redes de lojas de eletrodomésticos do Brasil, ainda que Zema tenha como prioridade as privatizações, a seis meses do término de seu mandato, o governador demonstrou pouca capacidade política de implementação dessa agenda.
Na verdade, a desvalorização dos servidores e dos serviços públicos possibilitou algo quase inédito na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG): a articulação entre deputados de esquerda e de extrema direita.
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Ao negar o reajuste salarial adicional para trabalhadores da educação, da saúde e da segurança pública, aprovado pela ALMG, Zema teve seu veto derrubado, por 55 a 3 votos, pelos deputados estaduais mineiros.
No dia 25 de maio, a ALMG também aprovou um projeto de lei que se apresentou como alternativa à adesão do estado ao RRF. De autoria do deputado Hely Tarqüínio (PV), o PL 3.711/2022 prevê que Minas confesse e renegocie sua dívida com a União, com prazo ampliado.
Além da dificuldade em articular com o parlamento, o governador precisa lidar com a oposição da sociedade, frente ao projeto de privatizações. Greves, protestos e mobilizações contra a venda das estatais e contra a adesão ao RRF foram comuns ao longo da gestão de Zema.
“Mesmo tendo total compromisso com o setor privado, ele não conseguiu privatizar as estatais estratégicas. Isso é fruto da resistência da sociedade e do parlamento mineiro contra essa visão equivocada de que as empresas estatais não têm função a cumprir”, enfatiza Diogo.
Ainda que o governador tenha encontrado impasses para privatizar as estatais mineiras, elas seguem em sua mira. Confira:
Cemig
“Zema faz uma gestão privada das empresas estatais e das empresas de economia mista, com beneficiamento de acionistas privados e com a inibição da realização de investimentos estruturais para o estado”, explica Valquíria.
Este é o caso da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). As denúncias quanto a forma de gestão da empresa fez com que fosse instaurada no ano passado uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
Concluída em fevereiro deste ano, a CPI da Cemig demonstrou que o governo opera uma estratégia de desmonte da empresa. Entre as irregularidades encontradas estão o favorecimento de empresas e de pessoas próximas ao governador, contratações irregulares e espionagem.
Copasa
Na Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), os trabalhadores denunciam falta de investimento e ataque aos direitos trabalhistas, por parte do governo Zema. O resultado dessa política, a população mineira sente no dia a dia.
“O trabalho tem ficado limitado até por falta de materiais, o que compromete a qualidade do serviço prestado. Não por culpa dos trabalhadores, mas por culpa de uma gestão que privilegia os acionistas e o alto escalão da empresa”, afirmou Jairo Nogueira, presidente da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT), em audiência pública realizada na ALMG.
Codemig
Detentora da exploração da maior jazida de nióbio do mundo, a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) está em vias de ser privatizada.
O nióbio produzido pela mina corresponde a 75% da produção mundial. São mais de 400 anos de capacidade de exploração. Atualmente, o Estado recebe 25% do valor do nióbio extraído.
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No ano passado, o Ministério Público de Contas (MPC) de Minas Gerais e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram que Zema suspendesse o processo de privatização da empresa.
A intervenção foi motivada por investigações das procuradoras Maria Cecília Borges e Sara Meinberg Duarte. Elas demonstraram que, mesmo sem cumprir com a legislação, a desestatização da empresa já estava em curso.
Em fevereiro deste ano, o governador pediu urgência na tramitação de dois Projetos de Lei (1.205 e 1.203/19) na ALMG. O primeiro propõe o recebimento antecipado dos recursos da exploração do nióbio e o segundo trata da desestatização da Codemig.
Na ocasião, os deputados estaduais rejeitaram o pedido de Zema.
Gasmig
A gestão de Zema também defende a privatização do setor de distribuição de gás natural, por meio da venda da Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig). Atualmente, o setor está em expansão e proporciona solução energética mais limpa e segura.
Edição: Larissa Costa