Sou daquele tipo de gente que acredita que nosso desejo de mar só não é maior porque temos um mar de serras em Minas e nos Gerais. Que somos feitos de aço, como dizia o Drummond, e também das matas, das serras que fazem do nosso estado um do mais ricos e bonitos deste país continental. Sou também daquele tipo de gente que defende gente, que defende água, que defende terra, planta e bicho.
Nos últimos dias, completamente impactada pelo descalabro de assistir o governador Romeu Zema buscar subterfúgios para o licenciamento da exploração minerária na Serra do Curral – entre eles, o de dar posse a uma prima de um dos sócios do empreendimento como presidenta do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) –, fiz um balanço do que foram esses primeiros anos de mandato.
Em janeiro de 2019, antes de tomar posse como primeira deputada negra e periférica, eleita pelo meu partido para uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, e de assumirmos a presidência da Comissão de Direitos Humanos, fomos atravessados pelo mar de lama de Brumadinho. De forma literal. Estivemos em Brumadinho poucos dias após o maior crime socioambiental do Brasil e, desde então, temos acompanhado o drama das famílias e das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale.
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E, infelizmente, não custa lembrar, não foi o primeiro crime. Tínhamos como precedente o rompimento da barragem de rejeito da Samarco em Mariana, em novembro de 2015.
Essas experiências nos fazem acreditar que não temos em nosso DNA a marca da mineração. Nos fazer acreditar em tamanho absurdo é desrespeitar a dor de famílias que foram soterradas pelos milhões de metros cúbicos de rejeitos. É um escárnio com as famílias que ainda hoje não puderam sepultar seus entes queridos. É tripudiar com a população de Barão de Cocais que vive em estado de alerta, que já fez treinamento em rotas de fuga para, em caso de rompimento da barragem instalada no município, tentar escapar da morte.
Essa atrocidade, praticada de forma velada, sorrateira pelo governador, me fez lembrar da música do meu conterrâneo Beto Guedes, que, ao deixar os Gerais, o sertão mineiro, rumo à capital compôs Belo Horror.
“Monte claro: meu segredo
Marcado pelo som que vem do mato.
Mato horizontes,
Fundo claros contra o medo
E nada tenho a ver.
Quero a palavra errada,
Quero a hora certa de entortar.
Meu amor, Montes Claros
Belo horror, horizonte
Céu sem dono
Mal começa a clarear”
Talvez fosse um presságio, uma intuição de artista, antecipar o horror que assistimos.
Patrimônio do povo mineiro
A exploração na Serra do Curral é absurda, descabida e insensata. É prova do desconhecimento completo de nossa história. Um patrimônio do povo mineiro, o maciço foi uma referência geográfica para os bandeirantes que percorriam as vilas e arraiás do Sertão. Sua localização também foi considerada decisiva para a escolha da região como sede da nova capital mineira, tanto pelo clima quanto pela oferta de recursos hídricos.
Como conhecer o estado não é o forte do nosso governador, nos coube apresentar junto ao Ministério Público Estadual uma manifestação com pedido de providências urgentes sobre o processo de licenciamento do empreendimento na região da Serra do Curral, em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte. O deferimento do pedido de licença para exploração foi expedido pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e aguarda a anuência do Iepha, ao qual o governador nomeou, parente de primeiro grau de sócio da empresa para presidir o órgão.
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A nomeação da arquiteta Marília Palhares Machado configura do ponto de vista jurídico um conflito de interesse e responsabilidade, mas, não apenas. Configura o completo desrespeito e violação ao que se espera de um gestor público que é legalidade, impessoalidade e moralidade e é, a partir desse tripé, apoiado na relevância histórica e ambiental do complexo da Serra do Curral, nascedouro de rios e córregos, reserva do que sobrou da Mata Atlântica na capital, que acionamos o Ministério Público.
Ainda, a Serra do Curral é considerada Área Prioritária para Preservação da Biodiversidade Especial, uma APP. Portanto, não é passível de exploração por se tratar de uma categoria de unidade de conservação.
Argumentos não nos faltam, mas é porque sou do mundo, sou Minas Gerais, que sonho e luto por um estado que faça jus à sua grandeza. Não queremos ser um lixo ocidental, faremos essa travessia, rumo ao novo tempo, onde nada será como antes, amanhã.
Leninha é deputada estadual, líder da bancada feminina, vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia de Minas e vice-presidenta estadual do Partido dos Trabalhadores.
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa