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Crônica | A cachorra

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Na décima tentativa, consigo colocá-la no colo. Chego em casa e preparo algo para ela comer. Não sei do que ela gosta - Foto: Reprodução
Encontrei-a perdida na esquina da minha casa. Parecia estar com fome e sem rumo

Encontrei-a perdida na esquina da minha casa. Parecia estar com fome e sem rumo. Estava toda encolhida. Ela era pequena e com um olhar meigo que pedia colo. Do outro lado, passava um carro cheio de garotos com um som bem alto de um funk: “só as cachorras...”.

Aproximo-me dela devagarinho para não a assustar. Ela late: “uauuu! Uauuu! Uauuu! Uauuu! Uauuu!”.  Tenta esconder. Chego de mansinho. Chego devagar. Devagarinho. Chegando mais de perto, deu para ver que é muito bem-cuidada. Deve ter fugido. Tento ser seu amigo. A primeira tentativa foi sem sucesso. A noite vai caindo de alturas impossíveis. Ela não pode ficar ali. Os dias estão muito frios à noite.

Na décima tentativa, consigo colocá-la no colo. Chego em casa e preparo algo para ela comer. Não sei do que ela gosta. Meu vizinho começa a discutir com a irmã:

- Você é uma cachorra. Saiu com meu amigo escondido no domingo. Que vergonha de você!

Volto a atenção para ela. Ela adormece. Amanhã vou procurar pelo seu dono ou dona. Coloco um aviso nas redes sociais. Logo, aparece a dona. Uma senhora baixinha e com uns óculos bem grandes. Já chega xingando a coitada da cachorra:

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- Sua ingrata. Dou tudo pra você do bom e do melhor, e você faz um papelão desses. Seus filhotes estão te esperando. Eles estão sentindo sua falta.

Ela nem me agradece e já vai dizendo:

- Sabe, moço, faço de tudo para essa ingrata. Compro a melhor ração. Dorme comigo na cama. Cuido dos filhotes dela. Meus netinhos lindos! Faço leite quentinho à noite. Ela vai e foge? Já para casa, sua ingrata. Mãe desnaturada.

Ela colocou a cachorra dentro do sutiã. E voltou a falar:

- Moço, trato essa ingrata como uma filha que nunca tive. Faço das tripas coração para ela. Deixo de comer e de sair para dar uma vida boa para ela. Sabe, moço, meu sonho era ter um filho ou uma filha. Nunca conseguir ter. Sempre fui muito sozinha. Ela é minha companhia. Agora tenho os meus netinhos também.

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- Sei como é que é. Ainda bem que você encontrou sua cachorra, né?

- É.

Vejo no olhar da cachorra que não quer ir embora. Ela tenta pular do sutiã da dona, que fica muito brava.

De longe, ouço uma música muito antiga numa Kombi azul bonina: “dê guarita pro cachorro, mas também dê pro menino...”.

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa