“Tenho tão nítido o Brasil que pode ser, e há de ser, que me dói o Brasil que é”
(Darcy Ribeiro)
Como tem sido doloroso viver no Brasil nos últimos anos. Todos os dias, sentimos o peito apertado pela notícia de mais um jovem negro assassinado nas favelas, de uma mulher ou criança vítima de violência, de um imigrante morto a pauladas no trabalho, de índios e defensores da floresta assassinados em conflitos de terra. O Brasil atingiu a triste marca de ser o terceiro país do mundo em número de assassinatos de militantes e defensores dos direitos humanos. O número de mortes em conflitos nas zonas rurais do país aumentou em dez vezes entre 2020 e 2021. Concordo com Eliane Brum, em seu último ensaio: “não é incompetência nem descaso: é método”. Estamos vivendo uma guerra. E precisamos ter clareza disso para escolhermos ao lado de quem iremos lutar.
O indigenista Bruno Pereira é casado com a minha prima Beatriz. Em 2018, estive na casa deles em Belém e pude ler alguns dos diários das excursões pela floresta do Bruno. Lembro de ficar maravilhada, porque ele escrevia todos os detalhes, desde a hora que acordava, se estava chovendo, se encontrou alguma cobra, as conversas que tinha com os índios. Sentia como se estivesse com ele na floresta. Foi mágico. Bruno, Beatriz e Dom Phillips estão entre as poucas pessoas que não se contentam apenas em sonhar com um outro Brasil possível. Talvez por terem convivido e aprendido tanto com diferentes grupos indígenas, eles conseguem enxergar verdadeiramente a nossa potência, as nossas riquezas, a nossa diversidade. São pessoas assim, que trabalham incansavelmente pelo Brasil que há de ser, que nos fortalecem para mantermos firmes nas trincheiras da resistência.
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No dia 5 de junho, Bruno e o jornalista britânico Dom Phillips desapareceram enquanto subiam de barco o Rio Itaquaí, com destino a Atalaia do Norte no estado do Amazonas.
Bruno, servidor licenciado da Funai, estava trabalhando em colaboração com a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) na criação de uma equipe de vigilância permanente da floresta. Ele treinava os diversos grupos indígenas como utilizar drones e imagens de satélites para monitorar a floresta e, assim, denunciar o garimpo, a caça e pesca ilegais no território indígena Vale do Javari. Por realizar o seu trabalho, Bruno foi exonerado do cargo na Funai em 2019, após comandar uma operação de repressão ao garimpo ilegal. Bruno precisou pedir licença do órgão para seguir protegendo os indígenas.
Dom Phillips, jornalista apaixonado pela floresta, comprometido com a verdade, estava em mais uma expedição pelo Javari, conversando com os índios, ribeirinhos, garimpeiros, buscando ouvir e compreender todos os que ali vivem, pois estava escrevendo um livro sobre a Amazônia.
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Em um ato feito na Faculdade de Educação da UFMG, cobrando pelo desaparecimento dos dois, um estudante de etnia Xacriabá disse de uma forma muito bonita que Bruno e Dom Phillips, assim como todos os outros índios e defensores da floresta assassinados ou desaparecidos, eram como sementes que brotariam em muitos frutos, em muitos outros homens e mulheres dispostos a lutar pela floresta, pela vida. Ele pediu amor, gentileza e união entre todos e finalizou rezando na língua deles. Emocionou-me e confortou-me o coração a amorosidade e fraternidade deles, depois de dias tão difíceis para a minha família. Provocada por tantos sentimentos que me invadiram nos últimos dias, termino deixando esta reflexão: que Brasil queremos? Um país que respeita a Constituição, a soberania dos povos, a diversidade, os territórios indígenas ou um país de violência, fome e morte?
Aline Almeida Bentes é professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida