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O início da luta: a prisão de Fidel – parte 2

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Fidel, o primeiro à esquerda, com seus companheiros no quartel da polícia de Santiago, em primeiro de agosto de 1953. Eles foram presos pela tentativa de tomada do quartel de Mon-cada, na Província de Oriente - Foto: reprodução
Segundo a militante Celia Sánchez, o ataque ao quartel de Mocada “foi a mãe da revolução”

Depois da volta triunfal pelas ruas de Havana, o sino de La Demajagua desapareceu alguns dias depois da universidade. Fidel, então, fez o primeiro discurso de sua carreira, durante uma assembleia estudantil, e denunciou a má-fé governamental no desaparecimento do sino. “Os anos vindouros prometem miséria. O povo perdeu a fé, mas aqueles que mataram a fé se lastimarão quando o povo se enfurecer”, disse.

Em 1948, Fidel compareceu à Conferência Pan-Americana em Bogotá. Ele foi um dos estudantes radicais que representaram, não oficialmente, muitos países da América Latina, uma vez que pretendiam apresentar um protesto contra o domínio estrangeiro. Os diplomatas internacionais e os estudantes, após um início tranquilo, vão se desentendendo ao longo do evento.  

O clima esquentou quando Eliécer Gaitán, um conhecido político colombiano foi assassinado. O crime tomou proporções gigantescas e milhares de pessoas morreram. Fidel e seus companheiros tornaram-se suspeitos de tentar iniciar uma revolução comunista na Colômbia. Em um avião de carga, ele foi retirado às pressas do país com a ajuda do embaixador cubano. Tais acontecimentos ocorridos em Bogotá, jamais saíram de sua memória.

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Ao retornar de Bogotá, Fidel continuou seus estudos. Em outubro de 1948, se casou com Mirta Diaz Balart, estudante de filosofia. No ano seguinte, nasceu seu filho Fidelito. Em 1950, Fidel se formou na Faculdade de Direito e, logo em seguida, se associou a uma pequena firma de advocacia de Havana. Mas, isso teria curta duração na sua agitada vida, pois seu grande amor continuava sendo a política, que fazia com que empenhasse a maior parte de sua energia para estar sempre presente no cenário político cubano.

Governos corruptos

Com a revogação da Emenda Platt, em 1934, que levou os EUA a tornar Cuba um país politicamente independente, apesar de conservarem sua base naval na baía de Guantánamo, o que continua até hoje, vários presidentes civis e militares se sucederam nos sete anos seguintes. Mas o “homem forte” dos EUA era Fulgencio Batista.

Batista decidiu que queria ser presidente. Como deputado em 1935, período de inquietação trabalhista e social que aumentava nas cidades e no campo, uma greve é violentamente reprimida. Então, ele dirigiu a elaboração de uma nova Constituição, um documento que continha cláusulas notavelmente liberais sobre trabalho e relações sociais. Batista, com isso, foi eleito em 1940 e exerceu a presidência por quatro anos, tendo sua administração marcada por uma espantosa corrupção.

Batista e sua força policial se envolveram em um extenso sistema de extorsão por meio das cidades de Cuba, com pagamento de cotas. Lojas, bares e estabelecimentos comerciais foram obrigados a contribuir regularmente para o distrito policial local, que também estava envolvido com prostituição, jogos e drogas.

Pela nova Constituição, ao terminar seu mandato, em 1944, ele seria impedido de ocupar o cargo presidencial por dois períodos consecutivos. Batista concordou e passou a residir em Miami, na Flórida.

O novo presidente, Ramón Grau San Martin, sucessor de Batista, realizou melhorias na educação e na saúde públicas, mas, sua administração se mostrou tão corrupta quanto a de Batista. O sucessor de Grau foi Carlos Prio Socarrás, pertencente ao mesmo partido de Grau, o Partido Autêntico. Grau ocupou a presidência de 1948 a 1952, e foi fortemente envolvido na corrupção.

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Tais administrações desonestas do Autêntico provocaram descontentamento no partido. Em 1947, houve uma ruptura no grupo, que formaram um novo partido, conhecido como Ortodoxo. Seu fundador foi Eduardo Chibás, político carismático comprometido com o acesso legal ao poder. Ele acreditava que os ortodoxos eram os verdadeiros depositários da herança revolucionária da Cuba de 1933.

Fidel ficou impressionado com suas ideias e se filiou ao partido na campanha de Chibás à presidência. Em 1951, Chibás se tornou o político mais popular de Cuba, sendo sua eleição amplamente esperada. Então, uma tragédia aconteceu no verão de 1951: Chibás suicidou-se. Sua morte chocou os cubanos, principalmente Fidel e os ortodoxos, mas o partido continuou a crescer.

Golpe de Fulgencio Batista

No entanto, as esperanças e os sonhos da juventude cubana, que desejava uma nova sociedade, honesta e democrática, caem por terra, em 10 de março de 1952. Três semanas antes das eleições, Batista depôs o governo de Carlos Prio Socarrás, ajudado pelos oficiais mais jovens do exército, que juntos executaram o golpe rapidamente, com pouco derramamento de sangue. Isso fez com que Socarrás fugisse de Havana.

Após cumprir dois períodos consecutivos de isolamento político, mas como candidato legal à presidência, Batista reconheceu que seria impossível ganhar as eleições. Ele previu que ficaria em terceiro lugar, vencido pelos autênticos e ortodoxos. Portanto, Batista e seus partidários temiam ser excluídos economicamente pela emergência de interesses comerciais controlados por grupos rivais. O golpe iria lhe assegurar a continuidade do domínio sobre o governo, garantindo-lhe seus lucros por meio da corrupção. Ramón Bonachea, em seu livro “A insurreição cubana”, disse que “de uma democracia corrupta, Cuba deslizou para uma ditadura corrupta”.

Batista suspendeu imediatamente todas as garantias constitucionais, proibiu as eleições, restringiu a liberdade de opinião e de imprensa, e limitou as atividades dos partidos de oposição.

Após 17 dias do golpe, os EUA reconheceram oficialmente o governo de Batista, assim como os líderes dos trabalhistas e seus dirigentes comerciais. O único indício de oposição viria dos estudantes.

Resistência à ditadura

Fidel, é claro, estava no centro dos protestos. Após três dias do golpe, ele divulgou um manifesto conclamando “os corajosos cubanos ao sacrifício e ao revide”, concluindo o documento com as duas últimas linhas do hino nacional cubano: “viver acorrentado é viver na vergonha, morrer pela Pátria é viver”. Alguns dias depois, Fidel solicitou ao Tribunal de Recursos de Havana a punição para os envolvidos no golpe, o que foi rejeitado pela Corte.

O regime de Batista se tornou cada vez mais corrupto, ditatorial e brutal. Detenções, prisões sem julgamento e tortura se tornaram comuns.

Em toda parte do país, havia defensores da luta armada para depor Batista. Fidel encontrou muitos outros jovens que compartilharam de seus sentimentos sobre esse dilema que assolou o povo cubano. Em maio de 1952, Fidel falou a um grupo de estudantes e de trabalhadores simpatizantes que a revolta era necessária.

“A revolução abre o caminho para o verdadeiro mérito daqueles que têm coragem e ideias sinceras, para aqueles que arriscam suas vidas e tomam a bandeira da luta em suas mãos”, disse Fidel. Ele ainda disse que era dever dos estudantes e trabalhadores “libertar Cuba, sendo que essa tarefa não deveria esperar por outra geração”.

Infelizmente, poucos membros do Partido Ortodoxo decidiram enfrentar Batista. Fidel, então, decidiu por uma estratégia, na qual seu plano seria atacar a guarnição militar de Moncada, próxima da cidade de Santiago, na Província de Oriente. Ele esperava conquistar um arsenal, com o qual armaria seus companheiros revolucionários. Esperava também que esse ataque inspirasse uma revolta popular nessa província, seguida por uma revolução em todo o país.

Ataque ao quartel de Mocada

No dia 25 de julho de 1953, os revolucionários, em uma fazenda fora de Santiago, ouviram o plano de Fidel, que teria início no dia seguinte, às 5:30. Era carnaval e Fidel contava que muitos soldados de Moncada ficariam na festa até tarde. A noite do dia 25 foi tensa.

Fidel disse: “nas próximas horas venceremos ou seremos derrotados, mas, em qualquer um dos casos, este movimento triunfará. Se vencermos nesta manhã, apressaremos aquilo que Martí aspirou. Se não, o gesto permanecerá como um exemplo para o povo de Cuba”.

Precisamente, às 5:30, dia 26 de julho, 26 carros repletos de homens – revolucionários vestidos de soldados –, chegaram a Santiago. Raúl Castro e Abel Santamaria capturaram facilmente o palácio e o hospital. As sentinelas do quartel foram facilmente desarmadas.

Assim que Fidel chegou, três soldados armados de metralhadoras bloquearam seu caminho. Dois deles, ele derrubou com seu carro. O terceiro, no entanto, conseguiu fugir para dar o alarme. Os homens de Fidel desceram do carro e abriram fogo contra o quartel.

Os rebeldes perderam a vantagem da surpresa, então, os soldados abriram fogo com metralhadoras. Fidel deu ordem de retirada. Ele, Raúl e seus homens conseguiram recuar, mas os que ficaram no hospital, foram cercados. Abel Santamaria insistiu em continuar lutando, para dar tempo de Fidel escapar. “Fidel é aquele que não deve morrer”, disse Santamaria aos companheiros.

Apenas três rebeldes morreram durante o ataque, 80 foram capturados, a maioria deles torturados e em seguida executados, inclusive Santamaria.

Após a batalha, Fidel e os homens que sobraram se dividiram em grupos e rumaram para as montanhas. Na noite do dia 1 de agosto de 1953, uma patrulha de soldados sob o comando do tenente Pedro Serriá, encontrou e capturou Fidel, além de dois companheiros dele, na casa de um camponês simpatizante da causa revolucionária.

O tenente Serriá, um compassivo oficial, evitou que Fidel fosse levado para Moncada. Sua coragem salvou a vida de Fidel, sendo ele colocado na segurança de uma prisão civil. O bispo e a autoridade judiciária máxima de Santiago, além de algumas personalidades tomaram para si a responsabilidade de um tratamento humano para Fidel.

O ataque ao Moncada foi uma derrota militar, mas, como Fidel previu, essa derrota transformou-se numa importante vitória política. Ele e seus partidários tornaram-se os líderes de uma nova geração de cubanos, empenhados em mudar a sociedade.

Esse foi o começo da luta, “foi a mãe da revolução”, segundo escreveu Celia Sánchez, militante e guerrilheira na Sierra Maestra.

                                               

Antonio Manoel Mendonça de Araujo é professor de Economia, conselheiro do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais (Sindecon) e ex-coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED-MG)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

                             

Edição: Larissa Costa