Após a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada em São Francisco do Conde, na Bahia, o preço da gasolina no estado bateu recorde e se tornou o mais caro do Brasil.
Na ocasião da negociação, em novembro do ano passado, o então presidente da Petrobrás, Joaquim Silva e Luna, afirmou que a privatização da RLAM iria trazer mais investimentos, fortalecer a economia e “gerar benefícios para a sociedade”.
Porém, passados seis meses da venda, analistas avaliam que, na realidade, além de elevar o preço dos combustíveis e não aumentar os investimentos no setor, a operação gerou risco de escassez de derivados do petróleo e causará, ao longo do tempo, a queda salarial dos trabalhadores.
População sente no bolso
Uma das promessas da direção da Petrobrás era de que a venda da RLAM reduziria os preços dos combustíveis. Porém, dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) demonstram que, no início de junho deste ano, a população baiana pagava em média R$ 7,972 pelo litro do combustível. Nessa época, a média nacional de preço era de R$7,247.
Em Teixeira de Freitas, município localizado no Extremo Sul da Bahia, na segunda semana de junho, o preço da gasolina chegou a R$ 8,59. A ANP ainda aponta que, entre as 20 cidades do país que cobram mais caro pelo litro do combustível, nove são baianas.
Refinaria vendida a preço de banana
Segundo estimativa do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), o valor justo de venda da refinaria seria de mais de US$ 3 bilhões. Ainda assim, a direção da Petrobrás, nomeada por Jair Bolsonaro, entregou a RLAM ao grupo Mubadala Capital por apenas US$ 1,8 bilhão.
“Inicialmente, a própria Petrobrás estimou o valor justo. Mesmo assim, ela foi vendida por quase metade do preço, comparado a quanto ela vai gerar de fluxo de caixa”, conta Eduardo Costa Pinto, pesquisador do Ineep e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nada de mais investimento
Outra promessa de benefício da venda da RLAM, era de que a operação traria mais investimentos ao setor. Porém, o Ineep explica que essa expectativa também não se concretizou.
“Isso é uma falácia sem tamanho. Quando uma empresa compra, ela não vai aumentar o investimento. Ela vai primeiro ter lucro para pagar o dinheiro investido. O que aconteceu é a transferência de propriedade e não o aumento do investimento”, destaca Eduardo.
Monopólio impede ação do estado
Junto ao controle da refinaria, também foram vendidas sua estrutura de distribuição e logística, o que gerou um monopólio regional. Dessa forma, além da refinaria passar a ter total controle dos preços dos combustíveis, o estado é impedido de criar uma alternativa.
“Isso fere a possibilidade da Petrobrás de conduzir uma política energética, porque ela abre mão de vários instrumentos, inclusive da coordenação nacional sobre o sistema de distribuição de refino no Brasil”, explica Juliane Furno, economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) e militante do Movimento Brasil Popular.
Futuro incerto para trabalhadores
No plano de transição operacional da Petrobrás com a Mubadala, os gestores da estatal têm a perspectiva de concluir o processo de transferência de pessoal até fevereiro do ano que vem.
Porém, em reunião realizada em fevereiro deste ano entre o Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BA) e as gerências de recursos humanos e de relações sindicais da Petrobrás, os dirigentes sindicais ressaltaram que as mudanças têm causado insegurança aos trabalhadores.
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“Quando os trabalhadores serão realocados? Quais as condições da realocação? Para quais unidades da Petrobrás cada trabalhador será transferido?”, questionou o sindicato, que ainda argumenta que a categoria tem receio de ser transferida para outras unidades em processo de privatização.
Além disso, com objetivo de ampliar o lucro, uma das características de processos de privatizações é a demissão de trabalhadores e a contratação de outros por salários mais baixos.
Escassez de derivados
Outro impacto da venda da RLAM, já sentido pela população baiana, é o risco de falta de derivados do petróleo para o mercado local.
“O óleo de combustível de navio deixou de ser vendido no mercado baiano, por estratégia da refinaria. Isso gerou na ANP toda uma busca de tentar criar instrumentos regulatórios para lidar com a escassez”, explica Eduardo.
O professor argumenta ainda que, anteriormente, o sistema Petrobrás possuía uma estratégia de segurança energética. Porém, a política foi deixada para trás durante o governo de Michel Temer.
Vendendo tudo
Um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) demonstrou que, entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2022, o governo Bolsonaro vendeu mais de 60 ativos da Petrobras.
Além das refinarias, as vendas incluem outras subsidiárias consideradas estratégicas como usinas eólicas, gasodutos, ações da BR Distribuidora, terminais, termelétricas e campos de petróleo.
Na última segunda-feira (27), a estatal anunciou que irá reiniciar a venda de mais três refinarias: a Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, a Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e a Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul.
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Além dessas, o plano de desinvestimento da Petrobrás inclui a privatização de mais quatro refinarias: a Gabriel Passos (Regap), em Minas Gerais, a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), no Paraná, Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas, e a Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor), no Ceará. Dessas, a empresa afirma que as três últimas já possuem contratos de compra e venda fechados.
Para Juliane Furno, a venda das subsidiárias e das refinarias representa o “apequenamento” da estatal. “Vai reduzindo, transformando praticamente num escritório que atua só na exploração e produção do petróleo. Isso deixa a empresa muito mais vulnerável, porque ela fica refém das taxas de câmbio e do preço internacional, variáveis que a Petrobrás não controla”, explica.
Troca-troca de presidentes
Desde o início do mandato de Jair Bolsonaro, a Petrobrás já teve cinco presidentes: Roberto Castello Branco, Joaquim Silva e Luna, José Mauro Coelho, Fernando Borges e, recentemente aprovado pelo conselho de administração da empresa, Caio Paes de Andrade.
Borges foi presidente interino da estatal após a saída de Coelho, que foi culpado pelo presidente da República pela alta nos preços dos combustíveis.
Indicado ao cargo por Jair Bolsonaro, a oposição ao governo federal argumenta que a escolha de tornar Coelho o “vilão” da história foi uma estratégia do presidente para se eximir de suas responsabilidades.
“Um caso inédito na história do direito: o presidente da República quer uma CPI para investigar a Petrobrás, que integra o governo que ele chefia. E, por conseguinte, investigar os presidentes da Petrobrás que ele mesmo nomeou. Ou seja, ele quer investigar a si próprio?”, afirmou Flávio Dino, ex-governador do estado do Maranhão.
Na avaliação da Ineep, a alta nos preços é resultado da política adotada pela estatal, sob comando do governo federal. Implementada pelo governo Temer e mantida por Bolsonaro, a atual política de preços da Petrobrás associa os preços da gasolina, do gás e do diesel vendidos no país ao custo do petróleo no exterior. “É como se a Petrobrás não produzisse nada aqui”, explica Eduardo.
Empresa pública com gestão privada
Na avaliação de especialistas, o atual cenário de instabilidade na Petrobrás é fruto de uma política de desmonte da estatal que passou, desde o ano de 2016, por três mudanças regulatórias.
“Primeiro, a Petrobrás deixa de ser operadora única do pré-sal. Segundo, houve a ampliação do regime tributário. E, por fim, houve uma forte redução da política de conteúdo nacional”, afirma Eduardo.
Na avaliação do professor, com as gestões pós impeachment de Dilma Rousseff, a Petrobrás passou a assumir uma estratégia voltada para o lucro e pouco preocupada com o desenvolvimento social e econômico do país.
“Em 2021 a Petrobrás teve um lucro de R$ 106 bilhões. A maior parte desse lucro é distribuída para os acionistas. Esse dinheiro poderia estar sendo reinvestido. A lógica é lucrar cada vez mais e quem sofre com isso é o consumidor. Ou seja, mesmo sendo pública e com função social, a empresa opera com uma lógica privada”, conclui.
Edição: Larissa Costa