Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgado recentemente, comprovou o que muitas brasileiras têm sentido na pele. Entre a massa de trabalhadores demitidos em 2020 no Brasil, ano mais crítico da crise sanitária, 71,9% eram mulheres. Os dados do Cadastro Central de Empresas (Cempre) revelam ainda uma triste marca: a taxa de participação feminina no mercado de trabalho atingiu seu menor nível desde 2016 (44,3%).
Em Minas Gerais, os índices também são preocupantes. Um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), aponta crescimento nas taxas de desocupação entre as mulheres, saltando de 12,1% no terceiro trimestre de 2019, para 13,2% no mesmo período de 2021. Além disso, a presença das mineiras no mercado formal caiu 2,3%, observado o mesmo período.
Elaine Bezerra, militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), chama a atenção também para a disparidade na subutilização dos trabalhadores em Minas Gerais, que é de 30,2% entre as mulheres, e 18,3% entre os homens. “No estado, as mulheres ganham 27% a menos do que os homens. Em regiões como Vale do Mucuri e Jequitinhonha, por exemplo, as diferenças são muito maiores. Uma desigualdade do mercado de trabalho que se intensifica também a partir dos territórios”, ressalta.
Na avaliação da pesquisadora, os dados refletem a crise econômica e também a lógica sexista do mercado de trabalho. Opinião endossada por Valquíria Assis, presidenta do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais. A economista explica que as vagas geradas no estado foram registradas em áreas majoritariamente ocupadas por homens.
“São áreas como indústria, extrativismo mineral, agropecuária etc. Já os setores que demandam mais mão de obra feminina, como serviços, ainda estão em um processo de recuperação”, explica. “É necessário que o governo tenha uma política específica para esses setores, afim de atender o mercado de trabalho feminino”, completa.
Desempregada, Izabel Cristina, de 25 anos, percebe a realidade na pele. “Muitas vezes, a vaga é só para homens. Se em uma entrevista tem dois homens e uma mulher, a prioridade é sempre dos homens. Às vezes, eles deixam de contratar quem tem filho por medo dela faltar. A gente que é mulher precisa trabalhar, criar nossos filhos, conquistar nossos objetivos, não dá para continuar assim!”, desabafa. Ela trabalhava no setor de comércio e foi demitida assim que retornou da licença maternidade, em setembro de 2020. Cuidando sozinha do filho, ela conta com o apoio da mãe para sustentar a casa. Mesmo assim, com o aumento significativo do custo de vida, as coisas estão complicadas.
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Izabel não está sozinha. No Brasil, cerca de 45% dos lares são chefiados por mulheres. Um levantamento feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) revelou que, nas famílias em que as mulheres são as únicas responsáveis pela renda, uma em cada cinco estão em situação de insegurança alimentar. O que evidencia que o combate à fome no Brasil passa obrigatoriamente pela geração de postos de trabalho para as mulheres.
Insegurança e precarização do trabalho
Sem espaço no mercado formal, a alternativa são os “bicos” ou empregos precários. Elaine Bezerra explica que, após a reforma trabalhista, há uma prática cada vez maior entre as empresas de precarização das vagas, sobretudo aquelas destinadas às mulheres. Para ela, a chamada “pejotização” e modalidades de trabalho como microempreendedor individual (MEI) aliam uma situação de desemprego, desocupação e desalento das trabalhadoras com uma piora na condição de vida.
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“A carteira assinada e os benefícios que ela proporciona, como auxílio creche, plano de saúde etc., é um elemento organizador da vida, porque você sabe que pode contar com aquela remuneração, ter uma previsibilidade. Segurança traz outra condição de vida para as mulheres” afirma.
Inserção das mulheres no mercado formal sempre foi aquém do que poderia
Apesar da crise socioeconômica agravar a disparidade entre homens e mulheres no mercado formal de trabalho, a pesquisadora ressalta que, mesmo em tempos positivos para a economia, a presença das mulheres sempre foi aquém do que poderia. Elaine destaca que desde a década de 1970 houve um avanço expressivo da participação feminina, no entanto há uma estagnação recorrente nessas taxas.
“Ter um mercado de trabalho organizado a partir da desigualdade de gênero e de raça nos ajuda a entender essa estagnação. As mulheres nunca passaram de muito mais de 50% da população economicamente ativa. É evidente que ainda existem muitas barreiras para que as mulheres de fato tenham uma trajetória de trabalho mais igualitária”, pontua.
Edição: Larissa Costa