Minas Gerais

CRIME DA SAMARCO

Artigo | Desmoronamentos no novo Bento Rodrigues causam transtornos aos atingidos

Ao se construir em áreas com riscos de deslizamentos, a Fundação Renova viola o conceito de habitabilidade

Mariana (MG) | Brasil de Fato MG |
As tempestades prejudicaram diversas áreas do reassentamento de Bento Rodrigues - fOTO: Divulgação/Cáritas

Em janeiro deste ano, grande parte de Minas Gerais foi assolada pelas chuvas que, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), superaram a média histórica em quase todo o estado. As tempestades prejudicaram diversas áreas do reassentamento de Bento Rodrigues. A chamada Quadra "E", situada na rua Dona Olinda, foi uma das mais afetadas em decorrência das chuvas. Nela, ocorreram inúmeros movimentos de massa, conhecido também como deslizamentos de terra, ruptura de talude ou queda de barreiras.

O Dossiê do Reassentamento elaborado em 2019 pela empresa Ramboll Brasil Engenharia e Consultoria Ambiental, empresa contratada pelo Ministério Público Federal (MPF) para monitorar os programas de reparação às pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, da Vale, Samarco e BHP, aponta que a Quadra “E” concentra declividades entre 30% a 47% e já apresentava indícios de erosões que poderiam possibilitar movimentos de massa futuro.


Foto: Divulgação/Cáritas

A legislação do município de Mariana diz que, para áreas com essa declividade, o parcelamento do solo somente é admitido mediante condições especiais de controle ambiental e comprovação da estabilidade do solo por meio de laudo geotécnico, garantindo a segurança do solo e a viabilidade de execução de edificação.

Após as fortes chuvas, parte da Rua Dona Olinda foi interditada e as obras de retaludamento, que são intervenções por meio de cortes e aterros para alterar a geometria do talude e aumentar a estabilidade da área acima da Quadra “E”, foram iniciadas.

Sem diálogo

Entretanto, a Fundação Renova não informou a comunidade de Bento Rodrigues e os demais interessados sobre os impactos dos deslizamentos, e quais seriam as soluções técnicas adotadas pelas mineradoras. Essa ausência de diálogo e de informações acessíveis às pessoas atingidas geram revolta e insegurança em muitas famílias, visto os problemas e riscos já existentes.

Além disso, a interdição da via e a paralisação das obras no local são motivos de preocupação para os moradores, por possibilitar ainda mais o atraso na entrega do reassentamento, que esperam há quase sete anos para voltar às suas casas. 

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Durante a visita mensal ao reassentamento de Bento Rodrigues, realizada em 30 de abril deste ano, os membros da Comissão de Atingidos pela barragem de Fundão (CABF) questionaram sobre a interdição da rua Dona Olinda e, pela primeira vez, após quatro meses desde a temporada chuvosa, a Renova explicou à comunidade, dúvidas sobre o ocorrido.

O representante da equipe de engenharia da Fundação Renova afirmou que, em decorrência dos deslizamentos, o acesso e as obras das edificações localizadas na área da Quadra “E” foram interditados para a segurança dos pedestres e que obras de retaludamento, com o objetivo de reduzir a inclinação do talude, estão sendo realizadas. Além de estudos pelas equipes de engenharia e geotecnia para intervenções futuras, caso haja a necessidade de outras técnicas para estabilização da área.

Após as explicações, os assessores e assessoras técnicos da Cáritas questionaram à Renova se as famílias moradoras nesta área estão cientes dos desmoronamentos e da necessidade das obras de retaludamento próximas às suas moradias, visto que isso afeta diretamente o cronograma das obras e a conformação dos terrenos próximos.

A analista social do reassentamento, integrante da equipe da Renova, disse que essas famílias estão sendo informadas periodicamente sobre o andamento das obras. Entretanto, a Assessoria Técnica entrou em contato com as famílias e constatou que a maioria não está ciente dos desmoronamentos ocorridos em janeiro de 2022 e não foram informadas pela Fundação sobre a paralisação das obras de suas casas, assim como das obras de estabilização dos taludes.

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Eliana de Fátima Santos, atingida de Bento Rodrigues, conta que, desde o início das obras do reassentamento, ela, juntamente com sua família, não foi acionada para verificar a construção de sua casa, a qual é herança de sua mãe. “A Renova nunca me levou lá no campo para ver como está a obra, fiquei sabendo dos deslizamentos por terceiros”, desabafou Eliana. De modo geral, as famílias tiveram ciência sobre os acontecimentos por outras pessoas e, por isso, demonstraram interesse em serem informadas sobre o andamento das construções e avaliações de riscos de novos desmoronamentos.

Descumprimento de normativas

Devido à elevada declividade dos terrenos alocados na Quadra “E” do reassentamento, diferente das áreas planas em que as famílias viviam no território de origem, em Bento Rodrigues, verificou-se o descumprimento da “diretriz 3”, de 27 de março de 2018, que diz respeito “à restituição dos imóveis e terrenos com características similares ou superiores ao de origem”. Além disso, após o contato com as famílias, foi possível identificar a falta de celeridade por parte da Fundação Renova, referente às providências tomadas para explicar à comunidade sobre os deslizamentos da Quadra “E”, contrariando a “diretriz 04”, de 6 de fevereiro de 2018, relativa ao acesso às informações prévias e à participação efetiva das pessoas atingidas.

Ademais, ao se construir em áreas com riscos de deslizamentos, a Fundação Renova viola o conceito de habitabilidade, uma das definições de moradia adequada do comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ECOSOC), da Nações Unidas, que diz que a “moradia não é adequada se não garantir a segurança física e estrutural proporcionando um espaço adequado, bem como proteção contra o frio, umidade, calor, chuva, vento, outras ameaças à saúde”.

No Brasil, a norma brasileira (NBR) 11682/2009 estabelece as condições exigíveis para o estudo e controle da estabilidade de taludes em solo ou rochas, tanto para taludes naturais quanto para taludes resultantes de cortes e aterros, ou seja, que foram construídos pelo ser humano. Para a mitigação dos problemas na Quadra “E”, seguindo as recomendações técnicas, seria de suma importância uma pesquisa prévia detalhada de estabilidade dos taludes da área em questão para se definir a melhor maneira de solucionar os problemas de instabilidade geotécnica.

Até o momento, a Fundação Renova não disponibilizou os estudos geotécnicos, nem a proposta definitiva de estabilização das encostas da Rua Dona Olinda. É importante ressaltar que as obras de retaludamento provocam impacto significativo na paisagem do reassentamento. Desse modo, ressaltamos: é fundamental que todas as modificações realizadas no terreno do reassentamento sejam apresentadas previamente para a comunidade com uma linguagem nítida e objetiva.

Julia Maria Silva Almeida e Gabriel Mateus Silva Leite são assessores técnicos da Cáritas MG, em Mariana.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa