Assentamentos hoje são 0,5% da reforma agrária necessária no Brasil
Em Minas Gerais, há mais de 25 anos, um grupo de biblistas do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI-MG) publica anualmente um livrinho que busca ser um Texto-Base sobre o livro bíblico do Mês da Bíblia: setembro.
Em 2022, todas as pessoas e comunidades cristãs são convidadas a refletir e a inspirar-se para a caminhada libertadora e ecumênica, especialmente no mês de setembro, sobre o livro de Josué. Nesse ano, o texto base do Cebi se chama Livro de Josué: luta pela terra, dom e conquista - Uma leitura do livro de Josué feita pelo CEBI-MG.
O livro analisa a luta pela terra e sua partilha entre os camponeses e camponesas, no livro de Josué, na Bíblia, e nos dias de hoje, tendo um olho na realidade do campesinato brasileiro na luta pela terra e outro olho no livro de Josué. Mostramos um pouco da luta pela terra nos dias de hoje e apresentamos várias chaves de leitura para compreendermos a luta pela terra no livro de Josué como dom e conquista.
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Analisamos se os líderes da luta pela terra, segundo o livro de Josué, podem receber terra. Destacamos a visão mística da luta pela terra e o protagonismo das mulheres no volante da luta pela terra. Que tipo de fé e que tipo de Deus fortalecem a luta pela terra? Josué foi mesmo o grande líder que coordenou todas as lutas pela terra em Canaã?
Reforma agrária hoje
Em 2015, existiam no Brasil 9290 assentamentos de reforma agrária, em uma área de 88.269.706,92 hectares, com 969.640 famílias assentadas conforme dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Também segundo dados do INCRA de 2015, o estado de Minas Gerais, entre 1986 e 2015, contava com 412 assentamentos para fins de Reforma Agrária, onde viviam 15.965 famílias assentadas, em 884.868,24 hectares de área.
Isso representa 0,5% da reforma agrária necessária no Brasil, país-continente. Essa conquista exigiu mais de 40 anos de luta do povo camponês, milhares de ocupações de latifúndios que não cumpriam a função social, muita perseguição e mais de 2.000 lideranças camponesas martirizadas. Quanto aprendizado!
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Em 2014, o estado de Minas Gerais possuía como terras potencialmente públicas devolutas 13.398.101 hectares (22,8% do total), em sua maioria grilada por fazendeiros e principalmente por grandes empresas do agronegócio. Muitas terras foram concedidas a grandes empresas “reflorestadoras” (na verdade, eucaliptadoras) por meio de convênios firmados com o Governo do Estado nas décadas de 1970 e 1980. Ainda hoje, essas empresas estão na posse dessas terras públicas utilizando-as, exclusivamente, para a monocultura de eucalipto, mesmo estando vencidos muitos desses convênios.
Brasil empresa
Antes de ser invadido pelos portugueses, em 22 de abril de 1500, o povo brasileiro vivia em paz com a biodiversidade no nosso país, tendo de 8 a 40 milhões de indígenas falando, segundo estimativas, mais de 1200 línguas e com culturas altamente diversificadas. Mas, com a invasão portuguesa, iniciou-se aqui a Empresa Brasil.
O objetivo foi, desde a chegada dos portugueses, explorar e sugar os bens naturais e, para isso, tornou-se necessário implantar a escravidão. Primeiro escravizaram os indígenas. Depois importaram milhões de trabalhadores negros que foram arrancados da Mãe África, onde haviam nascido em liberdade.
Darcy Ribeiro, na obra O Povo brasileiro, noticia como os engenhos de cana-de-açúcar, a mineração e o cultivo nas monoculturas de exportação foram máquinas de moer vidas. A literatura de José Lins do Rego retrata a realidade das grandes fazendas que, aos poucos, ficaram de “fogo morto” com a mudança dos interesses do comércio internacional e a falta de competitividade. Isso inviabilizou os empreendimentos agrícolas de exportação dos grandes engenhos de cana-de-açúcar no Nordeste. Mesmo com a decadência, os senhores de terras, vivendo na cidade, continuaram cercando a terra e expropriando os camponeses.
Quilombos, Liga, revoltas e rebeliões
Organizados nas Ligas Camponesas, a partir de 1955, sob a liderança do advogado Francisco Julião Arruda de Paula e com o apoio de militantes do Partido Comunista Brasileiro, durante mais de 10 anos, milhares de camponeses lutaram pela terra de forma aguerrida. Os gritos eram: “Reforma Agrária, na lei ou na marra!”, “As Ligas Camponesas tiveram crescimento expressivo até o início de 1964, quando já eram aproximadamente 2.181, espalhadas por 20 Estados da Federação”.
As Ligas foram exterminadas pelos generais por meio da repressão do golpe militar-civil-empresarial de 1964. Os Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs), que ganharam legalidade a partir de 1963, foram, em sua maioria, cooptados pelo Governo Federal mediante os benefícios do chamado “imposto sindical” e da administração do programa FUNRURAL.
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A luta pela terra no Brasil, especificamente em Minas Gerais, vem desde o início da invasão do Brasil pelos brancos portugueses. Já são 522 anos de luta pela terra.
Milhões de indígenas foram dizimados, mas muitos resistiram, como Sepé Tiaraju. Milhões de negros foram escravizados, mas muitos se rebelaram e formaram quilombos, como os liderados por Zumbi dos Palmares e Dandara, no final do século XVII. Movimentos populares messiânicos, tais como o de Antônio Conselheiro, em Canudos, de 1893 a 1897, na Bahia, e do monge José Maria, no Contestado de 1912 a 1916, no Paraná e Santa Catarina, também lutaram pela terra.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)
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* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
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Edição: Elis Almeida