“Um avião passou por cima da minha casa soltando uma água branca e no outro dia eu estava passando muito mal”, conta uma moradora do assentamento Queima Fogo, em Pompéu, município a 168 km de Belo Horizonte, em Minas Gerais. “A boca arrebentou toda por dentro, queimava como fogo. Eu tossia até agachar o corpo, até quase deitar no chão de tanto tossir. Dava falta de ar, de fôlego, e vômito”, descreve. A trabalhadora rural, que preferiu não se identificar, vive perto de uma plantação de eucaliptos da fazenda Rio Velho, propriedade do Grupo Alterosa, que atua na área de siderurgia, silvicultura e agricultura.
Segundo moradores, a empresa teria pulverizado agrotóxicos no dia 23 de junho e a deriva — quando o produto desvia do local onde deveria ser aplicado por causa do vento —, teria deixado ao menos sete pessoas com sintomas de intoxicação.
Poucos dias depois, os moradores denunciaram o caso ao Fórum Mineiro de Combate aos Agrotóxicos e ao Ministério Público do Trabalho (MPT). No dia 5 de julho, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou um inquérito para investigar a denúncia. Dez dias após a pulverização, a casa da presidenta da associação comunitária foi alvo de cinco tiros durante a madrugada.
“Ouvi o barulho do avião passando e quando cheguei em casa tive febre, mal-estar e ânsia de vômito”, relatou uma segunda moradora ouvida pela reportagem. Outro morador conta que ele e a esposa sentiram dores nas costas e na cabeça, além de enjôo.
Em 30 de junho, uma semana após a pulverização, a procuradora do trabalho Adriana Augusta de Moura Souza enviou um despacho urgente. Nele, a procuradora requisitou a investigação de intoxicação por agrotóxicos por parte da Vigilância Sanitária Municipal, o encaminhamento das pessoas intoxicadas para realização de exames, além de um levantamento pela Secretaria Municipal de Saúde sobre a pulverização nas fazendas do Grupo Alterosa, com a identificação do produto usado e o nome da empresa aérea que prestou o serviço. No entanto, de acordo com a procuradora, não houve resposta de nenhum órgão até o momento. “O MPT instaurou uma Notícia de Fato para apurar a denúncia relativamente aos trabalhadores da própria fazenda do Grupo Alterosa na Procuradoria do Trabalho no município de Divinópolis, que tem atribuição territorial em Pompéu”, acrescentou Souza.
Na madrugada do dia 3 de junho, a casa da presidenta da associação comunitária Tatiane de Menezes foi alvo de disparos com arma. Ela conta que foram cerca de cinco tiros por volta das 3h da manhã. “Não sei se foi coincidência ou não, mas sei que na noite de sábado para domingo foram efetuados vários disparos na porta da minha casa, inclusive uma bala ficando cravada na parede da chegada da minha casa”, relatou.
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) abriu um inquérito para apurar a pulverização aérea de agrotóxicos e também a origem dos disparos. “Sabemos que existiu um fato que gerou danos à saúde, também à propriedade com alguns animais e plantas que foram envenenadas, mas ainda não sabemos se foi efetivamente o que estamos suspeitando que seja: uma propagação irregular de agrotóxicos e de outras substâncias para controle de pragas e ervas daninhas”, informou o promotor que atua em Pompéu, Guilherme Hack.
O MPMG também acionou a Polícia Civil, que abriu inquérito para investigar os disparos. “Aconteceu em um mesmo contexto, foi próximo ao dia da notícia da contaminação e envolveu uma das partes que está diretamente envolvida. Portanto, existe suspeita que tenha envolvimento com a questão da contaminação”, disse o promotor.
Pelas regras do Ministério da Agricultura, não é permitido um avião aplicar agrotóxicos em áreas situadas a uma distância de menos de 500 metros de povoações, cidades, vilas e mananciais de captação de água.
A empresa é vizinha ao assentamento e algumas residências ficam muito próximas da fazenda. “Você vê o eucalipto quase dentro de casa”, resume uma moradora. Os assentados relatam que todos os anos os aviões passam pulverizando a fazenda e causam impactos na saúde, nas plantações e nos animais.
“Quando a gente procura, eles [a empresa] alegam que não é veneno, que é adubo”, diz a líder comunitária. A mesma normativa do Ministério da Agricultura aponta que, no caso da aplicação aérea de fertilizantes, é obrigatório o comunicado prévio aos moradores de áreas situadas à distância inferior a 500 metros de moradias.
Todos os trabalhadores entrevistados pela reportagem afirmaram que não foram informados sobre as pulverizações. “Eles nunca avisam e ainda falam que não é veneno, mas a gente não sabe. Eu tinha uma horta e morreu tudo: o pimentão caiu do pé, os pés de mamão apodreceram e ficaram pintados de preto, as folhas das laranjeiras caíram, o pé de goiaba morreu”, disse uma das moradoras.
O Grupo Alterosa atua em siderurgia, fundição e cogeração de energia elétrica por meio da Siderúrgica Alterosa S/A e em silvicultura, carvoejamento, agricultura e pecuária por meio da Sorel – Sociedade Reflorestadora S/A e da Florestas Ipiranga S/A. Essa última é a empresa na qual a Fazenda Rio Velho está cadastrada junto à Receita Federal.
A reportagem entrou em contato com a empresa e fez questionamentos sobre a denúncia da pulverização aérea de agrotóxicos na plantação de eucalipto no dia 23 de junho, sobre se estavam cientes dos sintomas apresentados por moradores e se havia encaminhamentos a respeito. Por meio da assessoria de imprensa, o Grupo não respondeu diretamente aos questionamentos. “Quaisquer denúncias ou reclamações recebidas pelo Grupo Alterosa são rigorosamente analisadas, com a adoção das cautelas e providências cabíveis. Além disso, a Alterosa está sempre à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos. Contudo, informações atinentes a apurações só são publicamente divulgadas após exame criterioso dos fatos”, informou a assessoria.
De acordo com o site do Grupo Alterosa, um dos principais objetivos para os próximos anos inclui o investimento na área de plantio e exploração de florestas de eucalipto. O Grupo possui cerca de 45 mil hectares de terras, com áreas de plantação de eucalipto distribuídas em 14 municípios mineiros. A plantação de eucaliptos teria reduzido “substancialmente a necessidade de área plantada para atingir a autossuficiência da Siderúrgica Alterosa em carvão vegetal, além de possibilitar a venda do carvão excedente para outras empresas”, informa o site.
A fazendo Rio Velho aparece em vídeo veiculado no site e na página do Facebook da prefeitura de Pompéu, em setembro de 2021. “Estou aqui visitando o Grupo Alterosa que está investindo em nova tecnologia na produção de carvão trazendo mais renda e emprego para toda a população”, diz o prefeito Ozéas da Silva Campos (Republicanos). O vídeo mostra os eucaliptos ao fundo e fornos de fundição da siderúrgica. Funcionários da empresa explicam que a construção na Fazenda Rio Velho terá ao menos 14 fornos com capacidade produtiva de cerca de 350 m³ por mês.
Há outras publicações em páginas oficiais da Prefeitura que apontam proximidade com a empresa. Em janeiro, o Grupo Alterosa disponibilizou funcionários para trabalhar no município após as fortes chuvas na região. Em abril, a Prefeitura divulgou que a empresa foi parceira em uma operação para tapar buracos em rodovia. Em maio, a logomarca do Grupo Alterosa aparece como um dos patrocinadores da Semana do Meio Ambiente, promovida pelo poder municipal.
A prefeitura foi questionada sobre a relação com a empresa e sobre o que seria feito a partir da denúncia dos moradores do assentamento, mas não respondeu até a publicação da reportagem.
Região também foi atingida pelo rompimento de barragem da Vale
A presidenta da associação no assentamento afirma que os moradores, além de lidar com a pulverização de agrotóxicos, queixam-se dos efeitos do rompimento da barragem da Vale, que completou três anos em janeiro de 2022. “As pessoas estão mais vulneráveis”, avalia Tatiane de Menezes, ressaltando que há muitos idosos. “Com o rompimento da barragem da Vale não tem nem água em casa para ficar tomando banho”, completa.
O assentamento foi atingido pelo rompimento da mina Córrego do Feijão, em janeiro de 2019, que matou 272 pessoas. Foram cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos que chegaram ao Rio Paraopeba, impactando 25 municípios entre Brumadinho e Três Marias. Dentre os municípios reconhecidos pela Justiça como atingidos está Pompéu.
“A gente usava a água do rio [Paraopeba] para tudo”, resume um morador do assentamento. Após o rompimento, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) recomenda que a água do rio não seja usada.
Pedro Aguiar, integrante do Instituto Guaicuy, uma das três instituições nomeadas pela Justiça para assessorar moradores das regiões afetadas pelo desastre, elenca uma série de impactos após o rompimento. “Existe o medo de produzir comida sem saber se a água vai contaminar o alimento ou não, tanto o que ele [o morador] vai consumir, quanto o que vai comercializar. Não querem vender produtos da horta sabendo que pode ter problema”, afirma.