É essencial que haja uma mobilização contínua por mais recursos para a política urbana
Por Henrique Porto e Luiza Dulci
Em um cenário de degradação da vida grandes cidades, é urgente pensar em um planejamento integrado para os problemas metropolitanos.
Com a aproximação das eleições estaduais e federais, vem à tona uma série de problemas que nem sempre têm soluções simples. Uma das dificuldades de elaborar, de implementar e de avaliar políticas públicas está ligada à escala dos problemas. Isto é, enquanto a atuação estatal se organiza conforme limites municipais, estaduais e nacionais, a garantia de dignidade e qualidade de vida das pessoas requer soluções integradas, que extrapolam e mesclam limites territoriais. No caso dos habitantes de regiões metropolitanas, essa realidade complexa adquire ainda mais relevo.
Somente na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), são quase 6 milhões de pessoas que vivem em municípios com algum grau de integração entre si. Isso significa que as dificuldades para se locomover, conseguir trabalho, utilizar serviços de saúde e de educação (sobretudo ensino superior), usufruir de espetáculos artísticos e acessar serviços urbanos em geral requerem uma atuação conjunta e cooperada entre diferentes municípios.
Na RMBH exemplos não faltam: todos os anos assistimos às severas enchentes do Ribeirão Arrudas, que desabrigam famílias e provocam destruição em diversas áreas, sobretudo favelas e periferias. Isso sem falar na poluição dos cursos d’água que se espalha pela Bacia do Rio das Velhas. É também de conhecimento geral as dificuldades enfrentadas pelos cidadãos metropolitanos com o alto preço das passagens, a má integração e a baixa disponibilidade dos ônibus intermunicipais, aspectos que dificultam a vida dos que precisam cruzar diferentes municípios para acessar hospitais, trabalho, lazer, compras etc.
E como não notar a degradação das áreas periféricas dos municípios – como nas fronteiras entre Belo Horizonte e Santa Luzia, ou Sabará, Ribeirão das Neves etc. – onde, muitas vezes, faltam habitação, saneamento, infraestrutura urbana e acesso a serviços públicos?
Avanços
É por isso que, conforme determina o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), as regiões metropolitanas demandam planejamento integrado: problemas de ordem metropolitana devem ser pensados e solucionados por instâncias de administração metropolitana, com fóruns participativos e gestão cooperada.
Essa não é, contudo, a orientação habitual na administração das metrópoles brasileiras. Em geral, observa-se pouca interlocução entre os governos estaduais e as administrações dos municípios metropolitanos, assim como há pouco diálogo entre as próprias prefeituras entre si. Isso leva a uma sobrecarga de demanda das metrópoles (como Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre), que precisam suprir boa parte da população da região com serviços de saúde, políticas de emprego e renda, serviços urbanos etc., ao passo que nos chamados municípios lindeiros, ou franjas metropolitanas, observa-se a desintegração e a degradação das condições de vida das pessoas e a desarticulação de suas economias.
Por incrível que pareça, a RMBH conta com uma das mais avançadas iniciativas de planejamento integrado do país. Em 2006 e 2009, respectivamente, o governo de Minas Gerais instituiu a Assembleia Metropolitana e a Agência Metropolitana. Apesar dos escassos recursos destinados a elas, as duas instâncias são voltadas para o planejamento integrado da RMBH e promovem tanto o diálogo e ações conjuntas entre as prefeituras da região, como a coordenação de ações abrangentes por parte do governo estadual.
A principal iniciativa tomada nessa direção foi a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH (PDDI) e do Macrozoneamento Metropolitano (MZ), ambos produzidos pela Universidade Federal de Minas Gerais, a serviço da Agência Metropolitana. O PDDI e o MZ estão entre os instrumentos de planejamento metropolitano mais avançados do país. Além disso, determinam diretrizes e parâmetros territorializados para a RMBH, visando coordenar o desenvolvimento da região de maneira harmônica e integrada, que considera o transporte metropolitano, a preservação do meio ambiente, o desenvolvimento econômico, dentre outros temas.
Lamentavelmente, o PDDI e o MZ não têm força de lei e não podem entrar em ação de forma efetiva, já que estão arquivados na Assembleia Legislativa de Minas Gerais desde 2017.
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Em razão disso, no atual contexto das eleições para o Executivo e Legislativo estadual, é de fundamental importância para quem vive na Região Metropolitana de Belo Horizonte e para os habitantes de Minas Gerais como um todo apoiarmos candidaturas que defendem a aprovação do PDDI e do MZ, bem como a promoção de mais e melhores instrumentos de planejamento integrado para a RMBH.
Além disso, é essencial que haja uma mobilização contínua, tanto parlamentar, quanto da sociedade civil, por mais recursos para a política urbana nas metrópoles e por mais participação popular nas instâncias da administração metropolitana.
Em um cenário em que, cada vez mais, as metrópoles brasileiras são sinônimas de fome, sofrimento, desemprego e pobreza, precisamos lutar para construir lugares onde se possa viver bem. Em outras palavras, é preciso lutar para que as cidadãs e cidadãos metropolitanos possam chegar em casa facilmente do trabalho, trabalhar com dignidade, acessar serviços de saúde e educação de qualidade, comer bem, ter contato com áreas verdes e a natureza urbana, desfrutar de lazer e cultura, usufruir e produzir uma cultura metropolitana.
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Tudo isso diz respeito a um entendimento integrado da região metropolitana, tanto na compreensão dos problemas que afetam de maneira indissociada vários municípios vizinhos, quanto no reconhecimento das qualidades e potencialidades compartilhadas entre eles. Pensar uma RMBH integrada também significa lutar por um bem viver metropolitano, com cultura, saúde, trabalho e dignidade.
Henrique Porto é arquiteto e urbanista pela UFMG, pesquisador nos grupos de pesquisa Indisciplinar e Geopolítica e Planejamento Territorial.
Luiza Dulci é economista e doutora em sociologia. Integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo e constrói o Movimento Bem Viver MG.
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa