Em comemoração aos dez anos do lançamento do disco “Minha tribo é o mundo”, Renegado retorna, em turnê, à sua cidade natal, Belo Horizonte, no dia 31 de julho. Último cantor a subir no palco junto a Elza Soares, Renegado prestará sua homenagem à “mulher do fim do mundo”.
Nascido no Alto Vera Cruz, uma das maiores periferias da capital mineira, o artista, reconhecido nacional e internacionalmente, considera que a música o ajudou a romper as fronteiras impostas pela sociedade.
Para Renegado, o cenário atual é de disputa de projetos de país, no qual a classe artística assume um papel central no diálogo com a população. “Eles não querem um povo com consciência. Eles têm medo da gente, como movimento, formadores de opinião, porque a gente liberta as mentes”, afirma.
O Brasil de Fato MG conversou com o artista sobre seus 20 anos de carreira, sobre os desafios de ser um corpo negro no universo musical, sobre a situação política do Brasil e a importância da cultura e dos movimentos populares para formação de pensamento crítico.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato MG – Como um jovem negro, nascido em uma das maiores periferias de Belo Horizonte, se tornou um artista nacionalmente e internacionalmente reconhecido?
Renegado – Eu não previa que isso ia acontecer na minha vida. Meu universo, meu mundo era só o Alto Vera Cruz. A música me libertou. Ela rompeu todas as fronteiras que existiam na minha mente e ao meu redor.
A oportunidade de ter outra perspectiva de vida muda muito o futuro de uma pessoa. A gente vive num país no qual os sonhos são castrados, principalmente para pessoas que vêm de onde eu venho e têm a trajetória que eu tenho.
Quais principais desafios você enfrentou na construção desses vinte anos de carreira?
A primeira coisa é a gente se reconhecer no meio disso tudo. Hoje, a gente discute pautas e temas que não discutia há dez anos, com a mesma propriedade.
Me reconhecer como um homem preto, periférico e entender o que é o racismo estrutural, como ele age e como ele sabota a nossa caminhada o tempo inteiro, é um entendimento profundo.
A gente não tem um lugar para compreender tudo isso, a gente aprende durante a caminhada. Hoje, muitas coisas fazem sentido para mim, como um corpo preto que ocupa um espaço no mundo e como um artista preto também.
Às vezes você está com uma música melhor posicionada que outros artistas, mas você não entende porque não é você que foi convidado para aquele festival ou para receber aquele prêmio. Você pensa “não tem explicação”, mas depois de um tempo vai entender o porquê das coisas. É o racismo estrutural, é a conjuntura em que a gente vive.
Como você avalia a situação de jovens artistas periféricos como você nos dias de hoje?
A gente não pode se iludir, achar que a situação melhorou. Hoje, temos a oportunidade de levantar os assuntos, mas não quer dizer que nós superamos os problemas. A luta é constante e não para. A gente tem que ter o tempo inteiro consciência dos processos.
O que significa para você voltar a sua cidade natal em comemoração aos dez anos do disco “Minha Tribo é o Mundo”?
O “Minha Tribo é o Mundo” é aquele jovem do Alto Vera Cruz que rodou o mundo e voltou para casa. Comemorar esses dez anos diz muito, porque eu continuei esse plano, continuei rodando, mas sempre com vontade de voltar para a casa e trazer para a minha tribo coisas novas que eu aprendi com outras tribos.
É também um momento de a gente respirar, pegar um fôlego, encontrar, se indignar junto, sorrir junto.
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Uma das homenageadas pela turnê é Elza Soares. Qual a importância de Elza para sua formação como artista?
Nós estabelecemos uma relação pessoal muito forte, nos tornamos amigos. Isso para mim significa muito. Elza sempre foi um ícone, um marco na música brasileira.
Elza, 60 anos atrás, discutia pautas que a gente está discutindo hoje e, às vezes, ela era mal interpretada por falar de determinadas coisas que só conseguimos falar hoje. Era uma mulher à frente de seu tempo.
Você foi o último artista a dividir o palco com Elza. O que essa experiência significou e como te marcou?
Está tatuado na alma e na memória. A despedida foi ali, no palco. Logo depois, a gente já não se encontrou mais. Viver o retorno dela aos palcos, bem ali do lado, de camarote, foi um dos maiores presentes que a vida já me deu. Foi lindo estar ao lado dela cantando as nossas alegrias, nossas dores e os nossos anseios por transformação.
Você também é reconhecido pela relação de parceria com movimentos, como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e por ser atuante politicamente. Qual o papel dos movimentos populares no atual cenário do Brasil?
Eu não sei fazer diferente, fui forjado na luta, minha carne foi esculpida nos movimentos sociais. Nunca se fez tão importante os movimentos como neste momento do Brasil. Podemos retomar a democracia, retomar projetos de futuro do país, trazer de volta a bandeira verde e amarela para o braço do povo brasileiro.
Está muito nítido o desemprego, a fome, o aumento alarmante da desigualdade. O povo brasileiro não merece sofrer do jeito que tem sofrido. A gente tem sofrido para o rico continuar enriquecendo e isso não é justo. Mas quando o lado de lá nos ataca com força, a reação vem também.
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Nos últimos meses, muitos artistas têm declarado apoio à pré-candidatura de Lula à presidência. Para você, qual é o papel da cultura na formação política das classes populares brasileiras e qual é a importância dos artistas se posicionarem?
No próximo ciclo, começa uma disputa muito acirrada de projetos de Brasil. A gente tem a missão de decidir a disputa eleitoral no primeiro turno. Fico muito feliz de estarmos tendo esse levante da classe artística, porque fomos um setor muito afetado por tudo o que aconteceu.
O papel da cultura sempre foi de sensibilizar, de trazer a pauta para a discussão. Estamos aqui para despertar a sensibilidade nas pessoas. Estamos aqui para aliviar a dor, mas também estamos para dizer que não podemos nos submeter a tudo.
Nós somos formadores de opinião, influenciamos pessoas e pensamentos. Estamos aqui para falar do que nos indigna e poder elevar o nível de consciência da população.
A cultura é um professor de história em tempo integral na vida das pessoas. Ela faz com que a gente reflita sobre tudo o que está ao nosso redor. Então, é daí o medo que eles têm da cultura. Eles não querem um povo com consciência. Eles têm medo da gente, como movimento, formadores de opinião, porque a gente liberta as mentes.
Edição: Larissa Costa