O SUS não é apenas um conjunto de serviços médicos
Em 2022, o Sistema Único de Saúde (SUS) completa 34 anos de vida. Poucas políticas públicas brasileiras expressam de forma tão profunda o valor de se viver em um Estado democrático.
Como maior Sistema Público de Saúde do mundo, o SUS procura proporcionar acesso gratuito, universal e integral a toda a população brasileira e estrangeiros residentes no território nacional.
Por ano, são realizados, aproximadamente, 2,8 bilhões de atendimentos de saúde, que vão desde consultas médicas a exames e procedimentos de alto custo e complexidade, como ressonâncias, transplantes de órgãos e tratamento de câncer.
Para os povos indígenas e municípios rurais remotos, foram desenvolvidos serviços específicos de assistência. Nesses locais, onde não é possível às equipes de saúde chegarem por estradas, chega-se por “ambulanchas”.
Nos grandes centros urbanos, o SUS se espalhou pelos bairros por meio das Clínicas de Saúde das Famílias e UPAS, referenciadas por hospitais de médio e grande porte. Na prática, isso significa que o SUS alcança de forma variada diversos públicos da sociedade brasileira, nos mais variados lugares do país.
Magnitude
Apesar dessa magnitude, impera ainda uma visão muito fragmentada do SUS. É comum, por exemplo, que muitos não saibam que a Fiocruz, o Samu, o hospital das clínicas e o Hemominas compõem a rede SUS.
O Hemominas, por exemplo, é responsável por 95% do sangue e hemoderivados de qualidade transfundidos em aproximadamente 300 municípios de Minas Gerais. Por ano, o Hemominas realiza cerca de 300 mil coletas de sangue e organiza milhares de procedimentos sofisticados de doações de medula óssea.
Há no SUS uma estrutura de serviços de vigilância que cuida desde a qualidade da água, dos alimentos e remédios que consumimos até o controle de doenças epidêmicas. Na pandemia da Covid-19, apesar de toda a sorte de ataques que lhe foram direcionados, a presença do SUS foi reafirmada pelos esforços para garantir o cuidado às vítimas, seja por meio da coordenação de ações para o distanciamento social, na prestação da assistência em hospitais públicos ou na compra, distribuição e produção de vacinas em escala nacional.
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O SUS está presente nas praças dos bairros com as ‘academias da cidade’, nos complexos serviços de hemodiálise, no atendimento às vítimas de acidentes de trânsito e aqueles decorrentes do trabalho, na atenção às gestantes, às crianças e no cuidado aos portadores de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
Na prática, isso nos permite dizer que todos os brasileiros e brasileiras, ricos, classes médias ou pobres são atendidas pelo SUS, direta ou indiretamente.
Há hoje no SUS mais de 4 milhões de trabalhadoras e trabalhadores, entre enfermeiras, médicos, nutricionistas, assistentes sociais, profissionais de nível técnico e auxiliar de enfermagem, de laboratório e análises clínicas, de radiologia, condutores de ambulâncias, maqueiros, Agentes Comunitários de Saúde (ACS), dentre outros.
Como é possível perceber, o SUS não é apenas um conjunto de serviços médicos. É muito mais amplo do que a compra de procedimentos assistenciais no setor privado de saúde. Bem compreendido como um sistema, o SUS é, antes de tudo, uma forma política de construção de construção do Estado brasileiro e de elevação da sociedade a outro nível civilidade.
Crescentes desafios
Em que pesem essas realizações, impensáveis há poucas décadas, o SUS enfrenta crescentes desafios para alcançar a sua plena realização. Sem dúvidas, muitos brasileiros e brasileiras têm experiências frustrantes com o nosso sistema público de saúde: longas filas de espera para a realização de exames, consultas, internações e cirurgias, a falta de profissionais, medicamentos e instalações de saúde adequadas.
Considerando essa complexidade, buscamos com esta nova coluna do jornal Brasil de Fato apresentar as virtudes do SUS e debater os diferentes desafios que o impactam, localizando suas causas e possíveis formas de superação. Essencialmente, a coluna buscará contribuir para a compreensão do que é o SUS – como ele funciona, seus fundamentos, trajetória histórica, seus impasses estruturais, visando debater os caminhos para a sua plena realização.
Com essa linha editorial, abordaremos questões relevantes para o SUS como a luta das trabalhadoras e trabalhadores do sistema, sua jornada de trabalho, tipo de vínculo e remuneração; questões relacionadas à gestão do sistema e organização dos serviços; a relação do mercado privado da saúde (planos de saúde, hospitais e indústria farmacêutica) com a rede pública; e questões relacionadas à garantia do direito à saúde aos diferentes grupos da população, como a saúde das mulheres, da população negra, dos trabalhadores e trabalhadoras formais e informais, dos LGBTQIA+, indígenas, entre outros.
Avaliamos que os vários segmentos sociais que sempre lutaram e apoiaram o SUS raramente tiveram a sua voz respeitada na construção democrática brasileira.
Meios de comunicação constroem visão negativa do SUS
Tradicionalmente, o oligopólio midiático tratou o SUS como um incontestável problema. Distante de uma abordagem minimamente equilibrada sobre seus desafios e virtudes, os grandes meios de comunicação se esforçaram em impor uma percepção dominantemente negativa do sistema, que não apenas incentivou a descrença como propiciou a difusão do entendimento de que os planos privados de saúde seriam a melhor saída para os nossos problemas de saúde.
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Em contraponto a esse cenário, esta coluna convidará para o nosso diálogo semanal a reflexão de pesquisadores das universidades brasileiras, lideranças comunitárias e sindicalistas da saúde, trabalhadores e usuários do SUS.
Como estamos há poucos meses das eleições, procuraremos apresentar os principais movimentos da sociedade brasileira que atualmente estão lutando para que o SUS saia fortalecido da pandemia e supere a desconstrução recente que de que está sendo vítima.
Com o propósito de abrirmos um espaço de permanente reflexão sobre as lutas pelo SUS, daremos especial cobertura aos trabalhos da Frente Pela Vida, que no dia 5 de agosto realizará, em São Paulo, a Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde.
Contra a cultura do ódio, da discórdia e da ignorância, a compreensão e a luta pelo SUS torna-se uma afirmação do que desejamos e podemos ser como país, além de apontarmos um caminho fraternal para o mundo.
Ronaldo Teodoro dos Santos é Cientista Político, professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Wallace Oliveira