Censo auxilia no desenvolvimento de políticas públicas
O compromisso do governo Bolsonaro com a falta de transparência é incontestável: o presidente utilizou a Lei Geral de Proteção de Dados para impor sigilo no registro de visitantes do Palácio do Planalto, no processo de seleção de sua filha no Colégio Militar, nos dados de proprietários rurais do Cadastro Ambiental Rural e até no próprio cartão de vacinação.
Tal padrão se tornou evidente desde o início da pandemia de covid-19 quando, em meio a uma situação caótica na qual os cidadãos estavam vulneráveis, a preocupação maior do Ministério da Saúde era esconder as estatísticas e dificultar a divulgação dos números de casos e óbitos decorrentes da doença no Brasil. O presidente chegou a apelidar a emissora Globo de “TV Funerária” porque os dados sobre a situação da pandemia eram informados ao vivo todos os dias durante o Jornal Nacional.
No início de junho de 2020, o Ministério da Saúde – com a liderança do então ministro Eduardo Pazuello – tirou do ar o portal oficial de dados sobre covid-19, sem avisar ou explicar o motivo. Quando o site retornou, não haviam mais informações agregadas dos números totais de casos e óbitos por estado.
Em dezembro de 2021, o Ministério da Saúde sofreu um suposto ataque hacker que comprometeu os sistemas ConecteSUS, e-SUS Notifica, Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização e também a emissão do Certificado Nacional de Vacinação contra a covid-19.
Curiosamente, o problema aconteceu após a constatação da presença da variante ômicron no país, quando o governo federal começou a sofrer pressão, nacional e internacional, para a exigência do passaporte vacinal para viajantes. O ConecteSUS permaneceu fora do ar durante 13 dias, gerando subnotificação. A atualização dos dados de casos e óbitos pelos estados também foi prejudicada em razão da instabilidade do e-SUS Notifica. O Boletim InfoGripe, do Observatório Covid-19 da Fiocruz – responsável por divulgar a tendência semanal de casos notificados de Síndrome Respiratória Aguda Grave, por estado e por macrorregiões de saúde – ficou 4 semanas sem atualização.
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O apagão de dados não é exclusivo da saúde: segundo o Painel de Monitoramento de Dados Abertos da Corregedoria Geral da União, um total de 1215 bases de dados estão em atraso. Podemos destacar as estatísticas referentes ao meio ambiente, no qual são incluídas as elaboradas por instituições como ICMBio, Funai, Ibama e INPE – a última, que monitora o desmatamento no país, possui 41 databases em atraso.
É importante lembrar que a questão ambiental no Brasil está mais preocupante do que nunca, com recorde de desmatamento da Amazônia e do Cerrado, em meio a legitimação de ações criminosas e violentas contra fiscais ambientais e ambientalistas – tendo como exemplo o repercutido caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.
O Censo Demográfico é uma das pesquisas mais importantes do país.
Cabe ressaltar que o acompanhamento de todas essas estatísticas é importante não só para manter a transparência e garantir o acesso à informação, mas também para guiar as autoridades de saúde, os formuladores de políticas públicas, os técnicos e servidores públicos e os pesquisadores no sentido de diagnosticar problemas graves na sociedade e desenvolver projetos e ações para melhor assistir a população em momentos de crise.
A importância do Censo
O Censo Demográfico é uma das pesquisas mais importantes do país. Ele recolhe as informações sobre idade, identificação étnico-racial, sexo, renda, escolaridade, situação de trabalho e condição de moradia de toda a população brasileira. A partir das respostas das pessoas, são elaborados os indicadores de mortalidade infantil, esperança de vida ao nascer, índice de desenvolvimento humano municipal, taxa de analfabetismo, déficit habitacional municipal, inadequação de moradias municipal, entre muitos outros.
A realização do Censo é uma grande vitória em meio ao apagão de dados do governo Bolsonaro.
Esses indicadores auxiliam no desenvolvimento de políticas públicas direcionadas em um nível de desagregação que nenhuma outra pesquisa que trabalha com dados amostrais consegue reproduzir. Se o seu bairro tem deficiência de saneamento básico, o Censo consegue descobrir e repassar a informação para a prefeitura, para que então – idealmente – seja tomada alguma providência.
Enquanto não existem os resultados atualizados do Censo, os pesquisadores ainda se viram com outras bases de dados. No entanto, não é fácil fazer pesquisa concentrada especificamente em municípios, uma vez que a maioria dos dados possui uma agregação em nível nacional ou, na melhor das hipóteses, estadual.
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Assim como na maioria dos países, no Brasil a pesquisa é realizada de dez em dez anos. O último Censo foi em 2010. Sua realização nos últimos dois anos sofreu diversos obstáculos: chegou a ser postergado duas vezes. Antes previsto para 2020, foi adiado para 2021 por consequência da pandemia.
Após as vacinas, com os protocolos de segurança adequados para a circulação dos recenseadores, os pesquisadores de todo o país ficaram animados com a tão esperada realização do Censo; que, para a decepção de vários, foi adiado novamente, desta vez por infortúnio das restrições orçamentárias impostas pelo Ministério da Economia ao IBGE. Isso indica que não foi prioridade do governo mapear a situação dos seus cidadãos após uma pandemia, um processo inflacionário e a escalada da vulnerabilidade social.
Este ano, finalmente, a pesquisa está sendo realizada. Contudo, o atraso de dois anos não foi a única consequência negativa do contingenciamento de gastos. O questionário também sofreu grande redução, o que pode impactar bastante nas pesquisas, nos diagnósticos futuros e nas definições de política pública. De qualquer forma, a realização do Censo é uma grande vitória em meio ao apagão de dados do governo Bolsonaro.
Por isso, receba bem seu recenseador! A função dele é coletar informações verídicas, necessárias para mapear a realidade concreta e compreender a situação do país com fatos e dados verdadeiros, combatendo toda e qualquer fake news. O trabalho que ele está fazendo é importantíssimo.
Isadora Pelegrini é economista, doutoranda no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG e membra do Instituto Economias e Planejamento.
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
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Edição: Elis Almeida