Minas Gerais

IGUALDADE

Artigo | I Parada do Orgulho LGBTQIAPN + do Vale do Mucuri: a sinergia do encontro e do afeto

"Uma coletividade teimou em existir e consequentemente fazer história com a realização da I Parada do Orgulho LGBTQAPN+"

Teófilo Otoni (MG) | Brasil de Fato MG |
Imagem: - Gessica Emanuele

Atravessada por caminhos de ferro e asfalto, Teófilo Otoni tem o nome de um liberal colonizador que a história oficial prestigia. O neocolonialismo de Teófilo Benedito Ottoni manteve, a partir de uma estrutura moderna como a Companhia do Mucuri, pessoas alforriadas trabalhando em condições análogas à escravidão.

Com a abolição houve o descaso com aquele contingente de vidas humanas largadas a própria sorte e risco sem nenhum tipo de reparação estatal. Quem foi indenizado no Brasil com o fim do regime escravista? A elite branca.

Por aqui, o fundador da cidade também promoveu política eugenista por meio da instalação dos imigrantes europeus, bem como, do genocídio de povos originários via catequização nos aldeamentos criados pela igreja católica e por decretos de guerra assinados pelo estado brasileiro. A mortandade dos povos originários ocorreu brutalmente pela guerra e sutilmente pela imposição de outra cosmologia de mundo.

Conflito abafado

Um conflito abafado, mascarado, cuja continuidade segue com outras roupagens, agora composta por tradicionais famílias da classe média falida teofilotonense, mas que preservam hábitos conservadores e atrasam o desenvolvimento da região. Teófilo Otoni foi a única cidade do Vale do Mucuri que o bolsonarismo venceu nas últimas eleições presidenciais de 2018.

Fundador da cidade promoveu política eugenista

Por aqui, os retratos públicos do imigrante libanês e alemão de peles tão alvas e traços finos estão no centro da cidade em detrimento da negritude periférica e dos povos Maxakalis que vivem sobre um ininterrupto genocídio da sua etnia. O patrimônio cultural com reconhecimento em Teófilo Otoni é branco e cristão.

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Falta ousadia as gestões municipais para enfrentar o racismo e o patriarcado local via a construção de políticas públicas de Estado que garantam a não violação dos direitos fundamentais a essas populações.

Desse modo, durante muitos anos a perspectiva de quem nascia no Vale do Mucuri, especificamente em Teófilo Otoni, era que em algum momento teria que migrar para outro lugar, ainda mais se tratando de corpos negros. Muitas e muitos se embrenharam no mundo com passagem de ida e pouca esperança de retorno, sendo que por vezes o projeto de vida consistia em ter autonomia financeira, social, cultural, política e sexual para existir em sociedade.

A Universidade Federal dos Vales Jequitinhonha e Mucuri foi um dos pontos de encontro de muitos que regressaram. Percebemos que a história individual de cada um, era a história coletiva de muitos. Uma sinergia convertida em luta, ainda que com diferenças, pautada no afeto e no respeito.

Desse processo houve a construção do Festival Nacional de Teatro de Teófilo Otoni – (FESTTO), do Laboratório Experimental de Cultura e Arte (EDUCARTE), da Axé Mulheres Ação, do Festival de Teatro Infantil (Festinho), do Festival de Cinema Cine Pojichá, dentre outras importantes construções coletivas que reordenou a expressão da arte como ferramenta de transformação social e autonomia no Vale do Mucuri, Minas Gerais.  

I Parada do Orgulho LGBTQAPN+

Diante desse histórico e dessa herança colonial vivenciada no cotidiano das relações sociais neste território, uma coletividade teimou em existir e consequentemente fazer história com a realização da I Parada do Orgulho LGBTQAPN+.

O território afetivo construído na I Parada do Orgulho LGBTQAPN+ do Vale do Mucuri vem de histórias que no último sábado, 20 de agosto, convergiram em unidade de enfrentamento à teocracia e a necropolítica deste atual governo federal que odeia o fato que existimos e habitamos esse mundo.


Imagem / Gessica Emanuele

Ter um trio elétrico nesta cidade ecoando diversas vozes nos diz do legado de tantas pessoas que fizeram história para que essa primeira parada acontecesse no Vale do Mucuri. Como por exemplo, Fabíola, Mister Kelly e tantas outras cuja trajetória confrontou o patriarcado dessa região.  

A parada aconteceria na avenida principal do município, mas dificuldades em conseguir o alvará com a prefeitura fez com que mudássemos o local do evento. O trio permaneceu na área central, porém em um ambiente residencial o que acarretou que o movimento fosse encerrado há zero hora.

Essa mudança de ambiente não afetou o brilho daquele importante acontecimento. Foi um encontro intergeracional dos corpos LGBTQAPN+ da cidade demarcando a história. Um território de afeto marcado pela negritude periférica que desceu em peso para cantar, dançar e celebrar a existência.

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Ao observar esse acontecimento foi impossível segurar as lágrimas ao som de Bad Romance de Lady Gaga e Vermelho de Gloria Groove. Um sábado de louvor à diversidade sexual do Vale do Mucuri.   

É realmente indescritível o sentimento de olhar a juventude se sentido segura e se expressando intensamente. Uma vivência coletiva que avivou a esperança faltando pouco mais de um mês para demarcar nas urnas o nosso desejo por democracia e retomada do nosso projeto de país. Nós existimos!

Andréia Roseno é Assistente Social, pesquisadora do Mestrado do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida