Desde que as primeiras redações de jornalismo se formaram, lá pelo início do século 19, os profissionais da notícia carregam uma sina: a de fazerem parte de uma profissão cuja rotina é invisível.
O jornalismo noticia de tudo: dá voz aos que não têm voz; escuta e reproduz as opiniões das pessoas; vai aonde poucos vão; participa da alegria das comemorações e da angústia das tragédias. O jornalista fala de tudo e de todos. Mas quase não fala de si próprio. Ele noticia a greve de todos os trabalhadores, mas tem uma enorme dificuldade para noticiar a sua própria greve quando é necessário recorrer a este instrumento de pressão por melhores salários e melhores condições de trabalho.
Na pandemia, não foi diferente. Coube ao jornalismo convencer as pessoas a ficarem em casa quando ainda não havia vacina. Quando a vacina chegou, ficou a cargo dos veículos de imprensa levar a todos as primeiras informações sobre os imunizantes. E, especialmente no Brasil, foram os veículos de comunicação que pressionaram as autoridades para que as vacinas fossem adquiridas com urgência e em número suficiente para que todos os brasileiros fossem imunizados no menor tempo possível.
Como as redações se organizaram?
Porém, pouco se falou sobre como as redações se organizaram da noite para o dia para dar conta de um acontecimento do porte da covid-19, que foi, seguramente, a maior operação da imprensa brasileira em toda a sua história.
Não se mostrou como foi a mudança das redações presenciais para o on-line. Nenhum veículo descreveu a rotina do jornalista trancado em home office e tendo que noticiar apenas algo – a covid-19 – que ele, seguramente, não gostaria que fosse notícia. Tampouco a batalha incansável do jornalismo contra as notícias falsas.
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Essa realidade está descrita no livro de minha autoria “Nós também estivemos na linha de frente: as histórias do jornalismo na pandemia”, lançado recentemente. O livro é uma tentativa de tirar o jornalismo desta invisibilidade, mostrando o que foi o lado oculto desta profissão durante este ainda recente triste período de nossa história.
Para realizá-lo, entrevistei 61 profissionais de dezenas de veículos, inclusive do Brasil de Fato. Mostrei a rotina dos profissionais e as especificidades de cada veículo na cobertura da pandemia. Nele, eu mostro, por exemplo, que o Brasil de Fato optou por priorizar os efeitos da pandemia sobre os trabalhadores e as camadas mais pobres da população
Para produzir este livro entrevistei também profissionais de assessoria de imprensa de instituições que tiveram uma interface direta com os jornalistas de redação durante a pandemia e também cientistas e infectologistas. Sem a parceria do jornalismo com a ciência, a cobertura da pandemia teria ficado incompleta. Sem a ciência, faltaria ao jornalista o conteúdo. Sem o jornalismo, faltaria à ciência os canais por onde a fala dos pesquisadores chegaria à população.
Alinhamento com a ciência
Na pandemia, ocorreu um alinhamento em bloco da mídia brasileira ao lado da ciência e contra os negacionistas. Na história do jornalismo brasileiro, não foi a primeira que a imprensa trabalhou alinhada e em bloco.
No Golpe de 1964, os principais veículos de comunicação do país colocaram-se ao lado dos militares, apoiando a deposição do presidente eleito, João Goulart. O passar dos anos e o recrudescimento do regime militar, com as torturas e a implantação da censura nas redações, fizeram os veículos mudarem de lado, passando a defender a volta da democracia.
Na Lava Jato, também ocorreu um alinhamento não crítico da imprensa em favor do Ministério Público e do juiz Sérgio Moro. Bastaram poucos anos para que ocorresse uma inversão de sentido, com a condenação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dos métodos de ação tanto do Ministério Público quanto do juiz Sérgio Moro, cuja conduta foi considerada parcial em relação ao ex-presidente Lula.
Na pandemia do coronavírus, um novo alinhamento da imprensa ocorreu. Só que a esmagadora maioria dos jornais, rádios, emissoras de TV e portais de notícias trabalhou alinhada à ciência e contra os negacionistas. Na pandemia, os alvos eram os negacionistas e os correligionários do presidente Jair Bolsonaro, que desde o início haviam se colocado contra o isolamento social, pois entendiam que o país precisava continuar funcionando.
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Os negacionistas eram contrários à vacinação, pois acreditavam que a vacina, por ter sido desenvolvida em um tempo muito curto, poderia causar danos à saúde. Nesse caso, diferentemente do que ocorreu na ditadura e na Lava Jato, não haverá como se descobrir, mais tarde, que o outro lado é que era o lado correto. Porque o outro lado, com seus personagens, suas ideias e sua forma de agir, já é por demais conhecido.
Diferentemente do que possa dar a entender pelo título, em “Nós também estivemos na linha de frente”, que pode ser adquirido aqui, eu não trato os jornalistas como heróis. Não foram. Ao se postar na linha de frente do combate à pandemia e do lado certo da história, o jornalismo cumpriu sua missão.
Os jornalistas foram profissionais dedicados que, em um momento crítico, como o da pandemia de covid-19, souberam honrar o compromisso público que fizeram no solene ato do dia em que se formaram, desempenhando com correção a missão que lhes coube nessa triste história.
Marcelo Freitas é jornalista formado pela UFMG. Foi repórter dos jornais “Diário do Comércio”, “Hoje em Dia”, “O Tempo” e “Estado de Minas”. Foi também assessor de Comunicação da UFMG e da Câmara Municipal de Belo Horizonte e editor do portal de notícias BHAZ. Atualmente é diretor da Comunicação de Fato Editora.
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida