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Coluna

Lula no Jornal Nacional: poderia ter sido tenso, foi suave e ele nadou de braçada

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Reprodução - TV Globo
Lula não se esquivou em trazer Alckmin e o MST

Era sem dúvida a entrevista mais esperada da semana, quiçá do ano. Lula de volta ao JN. Depois de 16 anos, depois de seis anos de fundo vermelho com cano enferrujado ilustrando todas as matérias sobre corrupção e ligando isso tudo a ele e ao PT. 

Atores políticos se reposicionam e jogam de acordo com o momento. E de fato foi o que ocorreu. O Jornal Nacional é um ator político e sabe jogar. Portanto, a primeira pergunta de William Bonner para Luís Inácio mostrou uma bandeirinha branca se levantando. Calma: não estou dizendo que Globo e Lula se tornaram melhores amigos. Mas a fala de Bonner na primeira pergunta, dizendo ao telespectador do JN que Lula “não deve nada à Justiça”, tem um significado importante para além do momento da entrevistas.

“O senhor não deve nada à justiça”

Essa fala precisa ser muito bem observada, porque ela deflagra alguns realinhamentos. Ao vivo, para milhões de telespectadores, Bonner reconheceu que Lula não é culpado por todas as acusações de corrupção feitas por Sergio Moro e seu grupo de procuradores – o apresentador citou todas as decisões do STF e da Justiça em relação aos processos todos de que Lula era acusado.

Não é pouca coisa, e esse gesto – calculado, político – pode indicar vários movimentos a partir de agora. 

Claro, Bonner insistiu no tema corrupção, mas o direcionamento da pergunta foi bem específico: como o senhor vai convencer o eleitor de que vai combater a corrupção? Foi uma deixa pra Lula falar muito bem sobre o que é combate à corrupção, sobre todos os investimentos feitos em seu governo e como isso deve ocorrer sem destruir reputações.  

Sem interrupções

Lula respondeu às perguntas e falou bastante sem ser interrompido. Depois do cano enferrujado, do avião que vai sumindo na tela de São Paulo para Curitiba quando Lula se entregou a Moro e da operação de silenciamento que se encarregou de apagar Lula da memória nacional, falar sem ser interrompido é de fato algo muito inédito.

Apenas em dois momentos ao longo de toda a entrevista houve breves cortes, pequenas interrupções nas respostas – mas nenhuma grosseria. Pelo contrário, os apresentadores estavam muito comedidos, Bonner evitava olhar pra Lula, e Renata ganhou protagonismo.  

O agro tem de continuar pop

A pergunta feita por Renata Vasconcelos tinha jeitinho de encomendada, cheirinho de encomendada, recorte de encomendada.

Na pergunta, Renata questiona por que o agro não apoia Lula. Na resposta, ele faz uma ligação do agro com o desmatamento – que Renata retruca “parece que o agronegócio faz oposição ao meio ambiente”, e ele ajeita um pouco. Depois, seguindo na encomenda, ela questiona o presidente sobre o MST dizendo que grande parte do afastamento do agro se deve à presença do Movimento nos governos petistas. Lula devolve perguntando qual terra produtiva o MST já ocupou. 

Deferência a Renata e o reforço ao público feminino

Lula se dirigiu muito respeitosamente a Renata Vasconcelos, com certa deferência até. Foi muito cortês, marcando a contraposição com a truculência de Bolsonaro. E isso, sem dúvida, é algo a ser percebido pelo público feminino. 

Depois do nervosismo inicial, Lula surfou na onda

O começo da entrevista, talvez pelo peso da pergunta sobre corrupção e certamente pelo significado de estar de volta ao JN, foi um pouco tenso pra Lula, e isso é bem visível. Mas a tendência mudou, e Lula passou a nadar de braçada em todas as questões e mostrar assuntos que não estavam sendo questionados. 

Alckmin e o MST 

Lula trouxe Alckmin pra perto em vários momentos em sua fala. Cirurgicamente, de caso pensado. Em momentos em que Bonner escorregava para um cutucão mais forte, lá vinha Lula com Alckmin a tiracolo, como a lembrar que ele está mantendo o gesto de diálogo.

E nem por isso se esquivou em trazer também o MST quando foi questionado por Renata sobre “qual será o papel do MST em seu governo”. Lula disse que Renata precisa conhecer uma cooperativa e citou muitas ações do MST, como o fato de ser o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.

Trouxe Alckmin pra perto, mas não abandonou suas origens, acho que é o recado. Outra coisa importante: ao trazer o vice e ressaltar que quer desenvolver um projeto de país, Lula deixa claro que quer de fato pacificar o Brasil, tirar esse ranço horroroso do bolsonarismo. Outro recado claro. E importante.   

Bonner traz de volta o antipetismo

Como não estamos falando em melhores amigos para sempre, houve aqueles momentos de cutucão explícito de Bonner a Lula, com temas espinhosos sendo trazidos reiteradamente.

Lula defendeu Dilma e colocou as sacanagens no colo de Eduardo Cunha e Aécio Neves

Um deles foi o governo Dilma, que entrou na baila das perguntas e se manteve por um tempo. Bonner insistiu, falou mal de Dilma, falou mal de seu governo, falou mal da economia e insistiu pra ele dizer que não iria repetir o que Dilma fez na economia.

Lula se saiu muito bem. Afirmou que não vai repetir o projeto econômico de Dilma mas defendeu a ex-presidenta, elogiou a atuação dela, colocou as sacanagens no colo de Eduardo Cunha e Aécio Neves, disse que cada governo é um governo e ressaltou a necessidade de reconstruir o Brasil.

E o outro aspecto foi a categoria “militância”, que Bonner insistiu em trazer e deixou claro que não faz mais a menor ideia do que seja hoje a militância de esquerda, petista – o que é realidade para milhares de eleitores de classe média, por exemplo. Ele usou um conjunto de coisas óbvias, lugares-comuns, para indagar o presidente o que ele fará com “essa militância”. E Lula trouxe Alckmin a tiracolo para dizer que o vice conquistou a militância e que “dona Lu anda com a Janja”.   

De novo, a fome não entra na pauta

O JN não perguntou a Lula sobre o que pretende fazer para acabar com a fome. Mas, de fato, não iria fazê-lo porque seria um espaço nobre demais no jornal para Lula falar tudo o que foi feito e como tirou o Brasil do Mapa da Fome. 

Ao vivo no JN, por 40 minutos, Lula falou de esperança, trabalho, disposição para reconstruir o país, necessidade de pacificar o Brasil, vontade de trazer de volta o churrasquinho do fim de semana. Não se exaltou, não estava engessado.

Ele surfou e cresceu ao falar de como em seu governo o Brasil acabou com dívida pública, fez reserva e anda emprestou dinheiro para o FMI. Surfou quando falou que quer que as pessoas voltem a fazer seu churrasquinho no fim de semana. Surfou quando respondeu às questões sobre corrupção.

Falou do Auxílio Brasil, que Bolsonaro não queria e que, agora, faz propaganda, mas vai permitir que o auxílio acabe em 31 de dezembro. Respondeu à pergunta sobre o Centrão, atacou com o orçamento secreto e deixou clara a opção pelo diálogo coerente.

Teve tempo pra falar no tripé: credibilidade, previsibilidade e estabilidade. E fechando com chave de ouro, citou o terror dos bolsonaristas: Paulo Freire. “A gente precisa estar junto dos divergentes para vencer os antagonistas”.

Lula surfou. E saiu vitorioso do JN.   

Edição: Elis Almeida