Empresas de ônibus recebam por um serviço que não executam
O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais acabou de encerrar uma “Auditoria Operacional” sobre o sistema de transporte coletivo de Belo Horizonte que estava conduzindo desde agosto de 2020. O relatório ainda não foi divulgado no sistema, mas a nota à imprensa já traz alguns elementos dignos de reflexão – e de registro aqui nesta coluna.
A auditoria do TCE foi julgada pelo Tribunal e acarretou em duas determinações, que a Prefeitura é obrigada a acatar, e 48 recomendações sem caráter vinculante.
Uma das determinações é de que a fórmula de reajuste tarifário anual (aquela que calcula o valor que a gente paga) incorpore os “rendimentos financeiros que as empresas de ônibus têm por receber antecipadamente os pagamentos das passagens, quando os empregadores compram o valor total a ser utilizado pelos funcionários no mês (recargas no cartão BHBus)”.
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A decisão demonstra o quanto que as empresas utilizam ilegalmente as passagens antecipadas de vale-transporte, e como que a falta de controle dos recursos financeiros, por parte do poder público, atua para que as empresas de ônibus recebam por um serviço que não executam. Afinal, elas embolsam as passagens antecipadas sem que isso gere, de fato, viagens prestadas no sistema.
Determinação na corrige falha
Acontece que a determinação do TCE não corrige essa falha: incorporar os rendimentos financeiros na fórmula de reajuste tarifário é como colocar um esparadrapo para curar um paciente moribundo.
O verdadeiro problema, como não cansamos de repetir nesta coluna, está justamente no fato de que o atual contrato não fornece instrumentos para que o poder público regule, verdadeiramente, a operação do transporte.
Como a quase totalidade das receitas das empresas está atrelada às tarifas pagas pelos passageiros, o sistema só gera retorno financeiro para seus operadores com viagens superlotadas. Sem mediação no caminho que o dinheiro percorre desde que sai da mão do passageiro até chegar nos cofres da empresa, é fácil embolsar um recurso e não dar a contrapartida.
A solução não está em tentar incorporar esses rendimentos em uma fórmula – que, diga-se de passagem, não é aplicada desde 2018. A solução está no controle pela prefeitura de todos os recursos que financiem o transporte coletivo: tarifários (passagens pagas na hora e antecipadas) e não-tarifários (subsídios, recursos com publicidade, taxas, aluguéis e outros).
Só depois de uma viagem prestada, de quilômetros percorridos, de quadro de horários cumprido, é que as empresas deveriam ser pagas pelo seu serviço.
Impressiona também que, com tanto poder e recursos nas mãos – afinal o Tribunal de Contas do Estado é um órgão que tem capacidade de determinar mudanças concretas no sistema –, a maioria das conclusões se dê apenas no sentido de sugestões. É uma oportunidade enorme de transformação que foi perdida por escrúpulos políticos.
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Depois de tantos anos de abusos e chantagens por parte das empresas de ônibus, é possível mesmo acreditar que de livre e espontânea vontade a Prefeitura de Belo Horizonte vai passar a “avaliar os custos reais do sistema, e deixar de aceitar aqueles apenas informados pelas empresas de ônibus”? Ou que as empresas decidam, após sugestão do TCE, apresentar os verdadeiros custos operacionais com garagens de ônibus?
De qualquer forma, vale a pena aguardar a divulgação do relatório da auditoria na íntegra. Certamente vários elementos serão de grande valia para aqueles que querem reformular profundamente o transporte coletivo e torná-lo mais justo e eficiente.
André Veloso é economista e integrante do movimento Tarifa Zero BH
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
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Edição: Elis Almeida