Minas Gerais

Coluna

Os pés descalços

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Imagem: - Ieda Beltrão
Eu fiquei calado. Mudo. Olhando as estrelas. O céu. O infinito.

Tenho um amigo de um coração de ouro e uma generosidade ímpar. Vi duas cenas em relação a ele que são antológicas diante da nossa mediocridade cotidiana. Minha cara e meu caro leitor, vou tentar narrar essas duas cenas de uma humanidade acima das palavras.

Cena 1:

Ele passa na minha casa e me chama para ir até a casa de uma filha adotiva num lugar muito simples de gente trabalhadora desse país. O lugar é uma quebrada conhecida de Belo Horizonte. Ele fala:

- Minha filha adotiva está precisando de um chinelo. Vamos lá comigo levar para ela.

- Vamô, sim!

Acontece que, quando a sua filha adotiva o vê chegar, corre em direção a ele e, sem falar uma palavra, o abraça e beija de uma maneira muita efusiva e feliz. E solta logo em seguida do fundo do coração:

- Papai, te amo demais! E muitos beijos e abraços.

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A cena nos levou às lágrimas. Ela nem sabia que ganharia um chinelo. Os pés descalços não iriam mais queimar no asfalto e na terra quente.

Cena 2:

Vamos ali comigo levar uma cesta básica e um abraço para um amigo que está precisando. Ele amputou as duas pernas e está numa situação muito complicada.  Aceitei de pronto. Mas qual foi a minha surpresa?

O amigo já foi logo falando:

- Você sabia que ele nunca me abandonou? Foi o único amigo que sempre esteve comigo nas alegrias e nas tristezas. Nossa cultura machista, hedonista e atrasada não nos permite assistir a uma cena de um homem “feito” elogiar outro homem “feito”. Infelizmente, o amigo faleceu de repente na outra semana. A tristeza se abateu sobre aquele homem da morada da generosidade. O seu dia estava acabado.

Outro telefonema no seu celular. Dessa vez, era sua mulher para lhe contar uma surpresa incrível:

- Homem do céu, a bolsa da sua nora rompeu e seu neto nasceu bem adiantado. Ele foi do inferno ao céu em poucos minutos.


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No fim do dia me disse:

- Nunca pensei em viver uma situação dessas, meu irmão. Meu melhor amigo se foi. Meu neto chegou.

Eu fiquei calado. Mudo. Olhando as estrelas. O céu. O infinito.

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida