Minas Gerais

RODOANEL

Moradores do bairro Nascentes Imperiais, em Contagem, temem ser removidos sem direitos

Governo de Minas não apresenta estimativa do número de famílias atingidas

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |

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Crédito - Anderson Ribeiro

Embora a obra do Rodoanel já tenha sido leiloada para Grupo italiano INC S.P.A em agosto, até hoje, as famílias do bairro Nascentes Imperiais não sabem se, após serem removidas, terão seus direitos assegurados.

O bairro é, segundo relatório que o próprio governo produziu antes do leilão, a parte mais sensível entre as que serão atingidas pela obra. No local, há nascentes preservadas, que alimentam a represa de Várzea das Flores, responsável pelo abastecimento da Grande BH.

“Na Secretaria de Infraestrutura, o governo trabalhou com um mapeamento anterior à realidade atual. Então, falam de remoção de apenas 50 casas. Mas o diagnóstico que estamos fazendo mostra que podem ser mais de 400 casas. Sem contar as que serão impactadas, porque a obra dividirá o bairro. Haverá problemas sonoros, de poluição, caminhão passando na porta”, argumenta a professora Mônica Abranches, presidenta do projeto Rondon.

Em parceria com uma comissão de moradores, o Rondon realiza voluntariamente um diagnóstico na comunidade, com cadastro de famílias e estabelecimentos comerciais feito por especialistas e estudantes universitários, com a participação da comunidade. O objetivo é elaborar um relatório que possa ser útil na defesa dos direitos da população local.


Crédito / Anderson Ribeiro

“Se o diagnóstico disser que a comunidade quer sair, então, vamos lutar por condições adequadas, indenizações justas. Mas, se o diagnóstico mostrar que a maior parte não quer sair, que sirva para contestar. Por lei, o governo devia ter feito uma consulta informada da população antes. Eles dirão que fizeram audiências públicas, mas os próprios moradores falam que não participaram”, afirma.

Muitos impactos  

Sônia Damázio vive no Nascentes Imperiais, onde ela também tem um empreendimento popular, de produção de alimentos saudáveis. Ela e outras famílias dependem das nascentes para o uso da água, em casa, na horta e no trabalho.

A moradora conta que, nos encontros entre representantes do governo e a comunidade, os moradores não são avisados com antecedência e não podem chamar a imprensa. Além disso, ela critica que há pouco espaço para falas, que as reuniões são pouco elucidativas e não são apresentadas soluções satisfatórias.


Trajeto do Rodoanel proposto pelo governo de Minas / Reprodução

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O bairro, assim como a maioria das cidades brasileiras, não é regularizado. Como a indenização se dará sobre as benfeitorias das casas, sem considerar a posse da terra, as famílias temem receber um valor que não permitirá adquirir um imóvel similar na mesma região.

“Quando falam sobre indenização, é para nos jogar para longe daqui. É uma indenização que não vai permitir comprar uma casa como a que a gente tem, perto de tudo. A gente vai ter que começar do zero, num lugar mais afastado. Vamos ter separação de parentes, amigos, vizinhos. Crianças vão mudar de escola, muitas pessoas vão para longe do trabalho”, reclama.


Trajeto do Rodoanel proposto pelo governo de Minas / Reprodução

Existe alternativa de traçado

A prioridade, segundo Sônia, seria a manutenção dos moradores. “Nem queríamos discutir indenização, queremos ficar aqui, pois existe alternativa”, aponta. A alternativa à qual ela se refere é um novo traçado proposto pelas prefeituras de Contagem, Betim e outros municípios da Grande BH, mas rejeitado pelo governo de Minas. O traçado alternativo teria 112 km, interligando as BRs 040, 381 e 262, e custaria R$ 3 bilhões, isto é, 40% mais barato que o projeto original.

As prefeituras, movimentos e ambientalistas denunciam que o Rodoanel terá um impacto ambiental significativo em toda a região metropolitana. Uma das áreas impactadas será a represa de Várzea das Flores, controlada pela Copasa, que responde pelo abastecimento de mais de meio milhão de habitantes da Região Metropolitana.

O assunto foi debatido em audiência pública no início de agosto, na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa com as deputadas estaduais Andreia de Jesus e Beatriz Cerqueira e o deputado Ulysses Gomes, todos do PT.

Uma denúncia apresentada por Beatriz e pelo deputado federal Rogério Correia (PT) ao Ministério Público de Minas Gerais aponta que a via proposta pelo governo atingirá diretamente 10 mil moradias em 14 municípios, 30 mil pessoas, 50 igrejas, 20 Unidades de Pronto Atendimento (UPA), dezenas de escolas, um cemitério quilombola, áreas de proteção ambiental e sítios históricos e arqueológicos.

“Nós, que aqui na região metropolitana não resolvemos nosso problema de moradia, vamos causar um impacto social ainda maior, com a remoção de milhares de famílias sem planejamento. E tem a ausência de licenciamento ambiental, que deveria vir antes, mas só vem depois do leilão, pois isso é um detalhe para o governo do estado”, criticou Beatriz Cerqueira.

Prefeitura de Contagem se posiciona 

A Prefeitura de Contagem, que é contra o projeto do Rodoanel na versão proposta pelo governo estadual, protocolou no Tribunal de Contas do Estado (TCE) uma representação contra a obra. Em abril, o pedido foi indeferido pelos conselheiros do Tribunal. 

O município também protocolou na 3ª Vara Empresarial, de Fazenda Pública e Registros Públicos da Comarca de Contagem uma ação pedindo que o edital da obra fosse suspenso. O pedido chegou a ser deferido pelo juiz, mas, uma semana depois, o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador José Arthur Filho, suspendeu a liminar e manteve o leilão. 

Além disso, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação informa que, antes mesmo do conflito em torno do Rodoanel, planejou a regularização fundiária plena da comunidade de Nascentes Imperiais.

“Não é uma regularização só no papel, mas articulada para que o morador tenha o título de um lote com infraestrutura, sem área de risco, com serviços básicos. Vamos entrar com uma equipe na semana que vem fazendo a selagem dos domicílios e, paralelamente, uma licitação para contratar uma empresa e contratar os serviços”, afirma a secretária Monica Maria Cadaval Bedê. 

Ela acrescenta que a prefeitura vê a regularização de forma distinta do governo de Minas, que teria como foco apenas o aumento no valor das indenizações. “A prefeita Marília Campos (PT) enxerga como um trabalho para melhorar as condições de moradia, numa perspectiva de permanência do bairro. Até porque ela vai defender a mudança do traçado do Rodoanel até o fim do mandato dela”, conclui a secretária. 

Rodominério

O Rodoanel é uma obra proposta pelo governo de Romeu Zema (Novo), que prevê a construção de uma infraestrutura viária de mais de 100 quilômetros, com duas pistas, um investimento de R$ 5,09 bilhões, sendo R$ 3 bilhões de dinheiro público, retirado do acordo entre o governo de Minas Gerais e a mineradora Vale S/A, como reparação pelo crime cometido em Brumadinho em 2019.

O leilão da obra foi realizado no dia 12 de agosto e o vencedor foi o Grupo italiano INC S.P.A, controlado pela família Dogliani. Após o leilão, a parceria público-privada poderá operar por 30 anos, com direito a cobrar pedágio no Rodoanel.

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Para movimentos, a obra beneficiará a própria empresa autora do crime e outras mineradoras, permitindo escoar minério mais facilmente para portos do Rio de Janeiro. Por isso, o projeto foi apelidado de “Rodominério da Vale”.

Outro lado

A reportagem fez contato com assessoria do governo e aguarda respostas sobre o número de famílias atingidas, as indenizações e o processo de consulta à população.

Edição: Larissa Costa