A religião foi um instrumento de mobilização do bolsonarismo para o 7 de setembro de 2022. O monitoramento do Facebook foi realizado pela equipe do Observatório das Eleições e identificou ao menos dois tipos de conteúdos que mais produziram interações em torno da data.
Um enfatiza a importância da mobilização cívica da data para demonstrar a força social de Jair Bolsonaro e denunciar a teoria conspiratória de que ele é perseguido pela imprensa e pelo Poder Judiciário – STF e TSE. O outro interpreta o passado do país a partir do culto e da valorização da exploração colonial cristã portuguesa no Brasil.
Publicação de mais destaque foi da deputada Carla Zambelli no dia 6 de agosto
Sobre a importância da mobilização cívica, as publicações que se sobressaíram, em termos de engajamento, foram de contas de figuras políticas do bolsonarismo, com destaque para a deputada federal Carla Zambelli e o próprio Jair Bolsonaro. Essas contas compartilharam vídeos de crianças de colégios públicos cantando o hino da independência e marchando ao som de banda militar. A página de Jair M. Bolsonaro se destacou com uma publicação, no dia 30 de agosto, trazendo uma mensagem breve dizendo que a data é “de todos os brasileiros” e serve para “relembrar nossa independência e renovar nossa luta pela liberdade!”.
A publicação de mais destaque da deputada Carla Zambelli foi publicada no dia 6 de agosto e trata a data de mobilização como uma demonstração de força de Bolsonaro contra ministros do STF. A conta publicou um vídeo da própria deputada em entrevista para algum podcast, em que afirma que a mobilização servirá para “mostrar pro mundo que a imprensa tá mentindo, que as pesquisas estão mentindo”.
Sobre a valorização da colonização cristã, as publicações com maior engajamento foram de contas que já tinham um histórico de publicações dedicadas ao tema da religião. Convém salientar que, embora essas contas tenham realizado chamados para participação no 7 de setembro, as taxas de engajamento das convocatórias foram menores do que as de seus conteúdos tradicionais. O histórico de publicações dessas contas contempla temas, assuntos e questões como reprodução de trechos de discursos de pastores durante cultos, defesa da heteronormatividade, supostos relatos pessoas que se converteram à fé cristã ou convites para realização de uma determinada oração “contra inveja”.
Contudo, em algumas das publicações religiosas em que não há explicitamente convocação para a data da independência, há um enlace entre a religiosidade e o aspecto político. Essas publicações são vídeos de apresentações de músicas gospel com participação da Michelle Bolsonaro ou uma música carregada de elementos de valorização patriótica.
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Por fim, o tipo de conteúdo que se sobressaiu na véspera do 7 de setembro e que, de modo mais acabado, sintetiza a instrumentalização da religião para disputa política dos sentidos e significados da data foi a divulgação do vídeo da ex-atriz Cássia Kiss, por meio dos canais do Centro Dom Bosco, e que foi replicado por outras páginas.
No vídeo, ela diz que o “Brasil foi uma terra povoada por católicos portugueses e fundado à sombra de uma santa missa tradicional” e complementa que “graças aos nossos antepassados, nos tornamos um país católico de dimensões continentais”. O discurso valoriza a ascendência europeia católica, decorrente da exploração colonial, invisibilizando a existência anterior dos povos indígenas no território, bem como da migração forçada, por meio da escravidão dos povos africanos.
O vídeo é um chamamento para a vigília, que se realizou às 4 horas da manhã do dia 7 de setembro, carregado de mensagens para reafirmar a narrativa, ou seja, os discursos mencionados acima. No chat ao vivo do Youtube, comentários dos fiéis deixavam em evidência os temas que estão bastante presentes na narrativa bolsonarista: contra o comunismo, pela liberdade, contra os “inimigos da pátria'' e mesmo pedindo a vitória de Jair Bolsonaro.
Entre os comentários de destaque, houve um, pago (Super Chat) pela candidata Carla Zambelli, sintetizando o discurso da maioria dos comentários dos que acompanhavam a transmissão: “Orando pelo Brasil, pelo Presidente, por nossa LIBERDADE e pela saúde de todos os brasileiros”.
Esse discurso encontra guarida e reforço na política oficial do governo federal para celebração do bicentenário da independência política do Brasil.
Nesse contexto, trazer o coração embalsamado de Dom Pedro I para marcar a celebração consiste, além do menosprezo das lutas populares que consolidam a história do país, a valorização das estruturas oriundas da exploração colonial como elemento virtuoso na formação das condições atuais de exercício de soberania do país. Assim, nas palavras do Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto França, Dom Pedro I é retratado como uma pessoa de “genuíno altruísmo” e alçado à figura de “nosso libertador”.
O monitoramento no Facebook
As contas do Facebook foram monitoradas por meio da ferramenta CrowdTangle, no período de 1º de julho a 1º de setembro, a partir da busca pelo termo “7 de setembro”. Foram coletadas 23.835 publicações. Desse material, foram selecionadas as 10 contas com maiores taxas de engajamento: Césio Salvaro, Elisa Robson, Samir Ahmad, Daniel Santos, Carla Zambelli, Luciano Hang, Prefeitura de Criciúma, Bolsonaro Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro.
Tendo sido identificado o uso religioso nesse universo de publicações, aplicamos então o filtro para selecionar as 10 com maiores taxas de engajamento usando os termos “cristão”, “cristã” e “cristianismo”, e encontramos as seguintes: Sou católico e sou feliz, Aleteia português, Papa Francisco - Amigos e Amigas, Centro Dom Bosco, Jornal da Cidade Online, Jovem Pan News e Jovens Católicos.
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Entre os dias 1 e 7 de setembro, as páginas no Facebook que realizaram publicações chamando para participação do 7 de setembro religioso, embora tenham obtido expressivo engajamento em suas convocatórias, tiveram maiores engajamentos em outras publicações, aquelas que não estavam ligadas ao evento, mas mantinham o cunho religioso e a devoção.
Convém salientar que essas páginas têm em seu histórico de publicações com engajamento a reprodução de trechos de discursos de pastores, durante cultos, tratando de alguma passagem da Bíblia ou o convite à realização de alguma oração. Elas desempenham, em termos de engajamento, mais interações do que aquelas voltadas à mobilização do dia 7 de setembro religioso, mas têm uma conexão moral, por compartilharem os mesmos valores.
Dessa forma, como já dissemos, se estabelece uma ligação entre a religiosidade e o posicionamento político, deixando subentendido como os fiéis devem votar ou mesmo participar de eventos de importância ao apoio do atual presidente, candidato à reeleição, por este defender “Deus, Pátria e Família”.
Alexandre Arns Gonzales e Amanda Barcelos Mota participam do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, consulte: observatoriodaseleicoes.com.br
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida