- Perigoso? Tudo é perigoso. Viver é perigoso
O sol era de rachar mamona. A quebrada era da quebrada da quebrada. Onde Judas perdeu as botas. Pra lá de onde o vento faz a curva. O deserto do Saara era mais animador que as ruas dessa quebrada. Dava para fritar um ovo no asfalto.
O ônibus passa numa poeira de dar inveja aos sambas-enredo comandados por Joãosinho Trinta na saudosa Sapucaí.
O papo na esquina era sobre as próximas eleições e como o povo das quebradas pagou o “pato” com esse governo atual: mortes por covid, desemprego e inflação. O preço do arroz, feijão, gasolina.
De repente, chegam seis garotas panfletando sobre a abertura de uma nova igreja evangélica nas quebradas das quebradas. Eram educadas, gentis e uma fala mansa.
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- Boa tarde! Aleluia, meus irmãos. Quero fazer um convite pra vocês, com licença. Vamos inaugurar uma igreja no próximo sábado. Além da palavra de Deus, teremos um louvor da juventude e uma pequena confraternização. Leva sua família. Será um culto da prosperidade.
Alguns detalhes me chamaram a atenção: aquelas garotas não eram daquele lugar. Nunca as vi por ali. A bolsa de quase todas era de marca famosa e muito cara. E uma delas olhava fixamente para as minhas mãos. Deve ter ficado intrigada com o livro que segurava. Indo embora ela fala:
- Esse pensador aí fala sobre guerra cultural. Sobre o conceito de uma hegemonia do pensamento progressista. Da revolução permanente. Ele é muito perigoso.
Dei uma risada e soltei uma:
- Perigoso? Tudo é perigoso. Viver é perigoso. Esse panfleto seu pode ser perigoso.
O silêncio foi longo.
Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
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Edição: Elis Almeida