O país se encontra em um retrocesso diante da agenda global no combate as mudanças climáticas
Como pensar no futuro saudável para as novas gerações sem compreender de uma vez por todas que a existência da biodiversidade é a nossa própria existência? O paradigma econômico contemporâneo advoga pela expansão dos mercados consumidores e da acumulação a qualquer custo, por meio especialmente da exploração desenfreada dos biomas, dos recursos vegetais e minerais.
Os impactos das pressões sobre os biomas brasileiros estão refletidos no alto nível de agrotóxicos na produção de alimentos, no desmatamento das vegetações nativas e na diminuição da biodiversidade da floresta, na poluição de rios e mares, nos aumentos de temperatura, na poluição do ar que respiramos, nos desastres anunciados de rompimento de barragens, nas catástrofes naturais que desabrigam e matam cidadãos brasileiros todos os anos.
Não por acaso, dia 9 de setembro de 2022, a cidade de São Paulo amanheceu com o céu coberto de fumaça, apontada como reflexo do desmatamento na Amazônia alcançando maiores escalas territoriais, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.
Além da perda de biodiversidade e das drásticas mudanças climáticas na vida da população brasileira e mundial, vivemos a perda incontornável de outro recurso: o tempo. O Brasil assumiu um compromisso na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26), realizada na Escócia em 2021, de atenuar 50% de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030, tendo como base o ano de 2005.
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Além de uma meta defasada para limitar o aumento da temperatura do planeta em até 1,5°C, o país apresentou em 2020 um aumento de 9,5% nas emissões de GEE em relação ao ano anterior, enquanto as emissões mundiais atingiam uma redução de 7%, com a desaceleração das atividades econômicas na pandemia de covid-19, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.
Brasil vive um retrocesso
O país se encontra em um retrocesso diante da agenda global no combate as mudanças climáticas, especialmente quando se trata da Amazônia. Em 2019, a região Norte do Brasil foi responsável por 60% da emissão bruta de gases de efeito estufa, devido ao desmatamento de vegetação nativa, com 497 milhões de toneladas emitidas, conforme dados do SEEG municípios.
Quando tratamos da Amazônia Oriental, o Pará se apresenta como o estado brasileiro com maior emissão de gases de efeito estufa do país em 2020, com 19% das emissões nacionais totais – 417 milhões de tCO2e (toneladas de CO2 equivalente e inclui, além doo dióxido de carbono, outros gases de efeito estufa convertidos em CO2) –, diretamente relacionadas ao setor de mudanças do uso da terra e florestas pelo desmatamento, e ao setor agropecuário, segundo o SEEG.
Em 2021, o estado manteve seu protagonismo no desmatamento de florestas na região amazônica, com 4.037 quilômetros quadrados devastados, 39% do território registrado em toda a Amazônia, segundo dados Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Do caos à transição bioeconômica
Diante das emergências climáticas discutidas, nos cabe a reflexão sobre possibilidades ecológica e economicamente viáveis para o enfrentamento “das boiadas”. A bioeconomia no panorama institucional voltado às mudanças climáticas se apresenta como um modelo de desenvolvimento e conceito em construção, com diversas abordagens, de acordo com suas respectivas sociedades e prioridades, quanto a avanços em tecnologia e produção, mitigação de impactos ambientais e/ou desigualdades sociais.
As concepções transitam de uma bioeconomia com base em biotecnologia e bioeconomia de biomassa, até uma bioeconomia com base na biodiversidade e no conhecimento cultural, ou ainda, uma bioeconomia baseada no reaproveitamento energético e na restauração ambiental, concepções que pautam as políticas dos Estados Unidos, da Comissão Europeia e grupos de pesquisa de universidades brasileiras e do terceiro setor, como a WRI Brasil.
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No que se refere à Amazônia, a concepção de bioeconomia enfrenta disputas de narrativas, nem sempre condizentes com a natureza da organização social e com as emergências ambientais da região. Podemos iniciar o debate pelo o que não faz parte da concepção de bioeconomia da Amazônia, nem é compatível com a sociedade amazônica e sua sociobiodiversidade. A bioeconomia da Amazônia não está aliada a práticas de monocultura e processos de commoditização, nem com a produção agropecuária ou com atividades de mineração e garimpo em terras indígenas.
A bioeconomia da Amazônia representa uma mudança de rota, aprendizado com redes de conhecimentos produtivos sustentáveis, baseadas nos saberes tradicionais em curso a milênios em terras amazônicas. A concepção de um modelo de desenvolvimento pela perspectiva endógena amazônica, foi proposta pelo grupo de pesquisadores da Nova Economia da Amazônia (NEA-BR).
O grupo NEA Brasil propõe compreender a bioeconomia da Amazônica como a bioeconomia “das florestas em pé e rios fluindo”, um modelo produtivo e reprodutivo pautado em processos de produção compatíveis com a sociobiodiversidade, nos quais a tecnologia e a produção estão a serviço e priorizando a integridade do bioma, assim como a distribuição justa de benefícios as populações locais.
O intuito está na construção gradativa de um modelo de desenvolvimento que priorize: a) a diversificação econômica pode ser impulsionada pelas diversidades natural e social próprias do bioma; b) a realização do ordenamento territorial e regularização fundiária que permita o combate às ilegalidades; c) a ampliação de pesquisa e inovação sobre conhecimento genético a serviço das populações locais; d) a conservação e restauração de áreas degradadas com desenvolvimento de atividades agroextrativistas, sistemas agroflorestais (SAF); e) o fomento de atividades da agroecologia das populações indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais e da agricultura familiar (PIQCT).
A identificação de produtos compatíveis com a bioeconomia, a diversificação de produções com agregação de valor com retorno direto aos agentes locais e o desenvolvimento de bioprodutos, fármacos e fitoterápicos, por exemplo, representam alguns dos modos pelos quais a biotecnologia pode auxiliar na distribuição mais justa de benefícios as populações amazônicas, e na substituição de processos de commoditização – pautados no monocultivo, que gera empobrecimento florestal, reproduzindo uma espécie em detrimento de outras. A biotecnologia também pode ajudar na diferenciação de produtos da socioebiodiversidade amazônica dentro dos mercados, que cada vez mais são exigidos quanto a responsabilidade ambiental e práticas que promovam a inclusão social.
Os mecanismos existentes para o desenvolvimento desse paradigma estão postos. Contudo, sua viabilidade depende da capacidade de correlação e articulações de forças políticas, instituições privadas, institutos de ciência e tecnologia, terceiro setor, e populações indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais e da agricultura familiar. Tornar esse modelo viável, mesmo que de forma “tardia”, diante a urgência da transição para um lugar no futuro em que o progresso tecnológico e a inovação estejam submetidos às necessidades das populações amazônicas e não o contrário, é necessário para a conservação da biodiversidade, a promoção de justiça social e climática, a autonomia e para a garantia de direitos das populações locais.
Luz Marina Lopes de Almeida é doutoranda em economia pelo Cedeplar/UFMG e membra do Instituto Economias e Planejamento
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa