Seis anos. Esse foi o tempo gasto pela Fundação Renova para a construção de apenas 78 dos 350 imóveis previstos no reassentamento, garantido por lei, aos atingidos pelo crime cometido pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015.
Em um período menor, cinco anos, foram concluídas, por exemplo, as obras de construção do estádio do Mineirão, do Cristo Redentor e da maior ponte do hemisfério Sul, a Rio-Niterói, com 13 quilômetros de extensão.
Com a chegada da data do crime, 5 de novembro, a Renova, entidade criada pelas mineradoras para gerenciar as reparações aos atingidos, tem pressionado os moradores a se mudarem para as casas que já foram construídas. “É a tentativa de criar um discurso de que está entregando o reassentamento. Mas seria mais uma violação de direitos, porque as pessoas iriam morar em um canteiro de obras”, alerta Letícia Oliveira, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
A morosidade da Fundação Renova, não se restringe ao reassentamento. Quase uma década após o crime, famílias seguem enfrentando dificuldades financeiras, inclusive para a manutenção de suas lavouras e pecuária. Animais estão morrendo por falta de fornecimento de alimentação adequada que deveria ser fornecida pela Renova.
Na avaliação de Marta de Freitas, da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a Renova atua como uma barreira que impede o acesso dos atingidos aos seus direitos. “As empresas tentam deslegitimar e impedir a atuação das assessorias técnicas, que são profissionais honestos, qualificados e independentes que lutam pela garantia de direitos das comunidades", pontua a militante.
De todos os direitos violados, o direito a ter voz tem sido sistematicamente negado aos atingidos, principalmente pelo governo. Às vésperas das eleições, o governador Romeu Zema (Novo) tentou, a exemplo do caso de Brumadinho, repactuar com as empresas criminosas um novo acordo de indenização. Apesar das negociações não terem avançado, Zema já sinalizou após sua reeleição que a proposta segue no horizonte.
O processo de negociação sobre Brumadinho foi duramente criticado pelos atingidos que cobraram participação tanto nas negociações quanto na decisão sobre o uso do recurso. Na época, parlamentares mineiros alertaram que, da forma como foi construída, a destinação dos recursos poderia ser utilizada como ferramenta política.
Mineradoras são tratadas como vítimas e trabalhadores como criminosos
Marta de Freitas chama a atenção para a forma como as mineradoras são tratadas diante do poder público. Para ela, as narrativas construídas sobre as reparações feitas, sobretudo em bens coletivos, colocam as empresas como benfeitoras, que fazem benesses às comunidades, e não como criminosas que reparam seus delitos.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
“A gente vê os trabalhadores das mineradoras criminalizados, não sendo reconhecidos como atingidos, quando na verdade eles são tão vítimas quanto todos. Perderam emprego, perderam a estrutura de vida que tinham e estão doentes”, explica a militante. Ela explica que muitos empregados da Samarco da época do crime estão desempregados, são rejeitados em outras empresas ou não têm condições de saúde para retomar o trabalho.
Zema atrasa a execução da Lei “Mar de lama nunca mais”
Em fevereiro deste ano, venceu o prazo para que mineradoras descaracterizassem as 54 barragens de rejeitos existentes no estado, construídas sob o método à montante, mesmo modelo das estruturas de Fundão e de Córrego do Feijão, que colapsaram.
No entanto, o procedimento foi realizado em apenas cinco delas. A determinação é prevista na Lei 23.291/2019, mais conhecida como lei “Mar de lama nunca mais”. Um Termo de Compromisso firmado em fevereiro, entre o governo de Minas, o Ministério Público estadual e federal, e as mineradoras flexibilizou a obrigação das empresas.
No acordo, as mineradoras se comprometem a realizar as manobras no período mais curto possível. No entanto, não há um prazo estipulado no documento. O termo não foi assinado por todas as empresas envolvidas, apenas as responsáveis por 19 das 49 barragens listadas.
Outra violação de Romeu Zema à lei “Mar de lama nunca mais”, de acordo com o portal Manuelzão, foi a concessão de ampliação da barragem de rejeitos do projeto Minas-Rio, de propriedade da mineradora AngloGold, em Conceição do Mato Dentro, região Central do estado.
Na avaliação do deputado federal Rogério Correia (PT), além de ser complacente com as mineradoras, Zema não tem aplicado efetivamente outras leis de proteção à população, como o Plano Estadual de Segurança de Barragens.
Em março deste ano, o governo mineiro também autorizou uma licença de ampliação das atividades da Samarco, justamente onde a empresa cometeu o crime em 2015. Com a decisão, a mineradora poderá intervir em 35 hectares de Mata Atlântica, sendo que um terço desse território integra uma Área de Preservação Permanente (APP), protegida pela legislação.
Em 2018, o MAB já havia denunciado que a Samarco tentaria a todo custo manter as atividades na região, já que a jazida da empresa era responsável por 12,5% da reserva brasileira de minério de ferro, com um potencial exploratório para mais 115 anos.
Fim dos retrocessos
Autor de uma proposta de plebiscito para a reestatização da Vale, Rogério Correia estima que no próximo período as legislações federais e os órgãos nacionais de fiscalização ambiental retomem seu poder de atuação de regulação sobre as atividades minerárias no Brasil e que o debate do tema avance no país.
“Nós queremos aprovar, por exemplo, já no início do ano, o Plano Nacional dos Atingidos por Barragens que colocará uma série de restrições à sanha das mineradoras, sobretudo em Minas Gerais”, projeta.
Agenda de atividades: 7 anos de luta na Bacia do Rio Doce
Mariana (MG) – 5 de novembro
14h – Concentração no terminal turístico para Marcha dos Atingidos e Atingidas
16h – Ato um minuto de sirene, na Praça Jardim, em parceria com o Jornal A Sirene e com a Cáritas
Ilha do Rio Doce, distrito de Caratinga (MG) – 5 de novembro
:: Leia mais notícias do Brasil de Fato MG. Clique aqui ::
13h30 – Encontro Regional dos Atingidos e Atingidas: “Plantar organização, colher vitórias! Atingidos e atingidas fazem sua história”
Conceição da Barra (ES) – 5 de novembro
9h – Encontro dos Atingidos e Atingidas para debater Direitos, Meio Ambiente e Saúde, em Itaúnas.
A injustiça em números:
1 das 19 vítimas fatais do crime ainda não foi encontrada
8 dos 11 atingidos comprovadamente contaminados por metais pesados faleceram
78 casas estão prontas das 350 que deveriam ser construídas
55 membros das 394 famílias desabrigadas morreram sem conseguir reassentamento
Cerca de 3 mil trabalhadores da Samarco seguem desempregados
5 das 54 barragens à montante foram descaracterizadas
Outro lado
Procurada pelo Brasil de Fato MG, a Renova afirmou em nota que cerca de 500 famílias participam ativamente do processo de reassentamento. Em relação ao atraso da entrega dos imóveis, afirma que o prazo está sendo discutido em processo judicial em curso na Comarca de Mariana, tendo sido submetido recurso para análise em segunda instância, o qual ainda aguarda julgamento definitivo.
“Nesse contexto, foram expostos todos os fatores, inclusive fatos novos, como os protocolos sanitários aplicáveis em razão da covid-19, que evidenciam que a entrega dos reassentamentos e das casas aos atingidos depende de diversas questões que extrapolam os esforços da Fundação Renova”, diz a nota.
Sobre a falta de alimentos para os animais, a Renova afirma que, desde novembro de 2015, fornece “alimentação animal para os produtores rurais impactados diretamente pelo rejeito” e que, até setembro de 2022, cerca de 120 mil toneladas de silagem foram entregues, por meio de repasses de insumos ou de moeda corrente.
Além disso, em relação à saúde, a Renova afirma que já fez investimentos milionários na estruturação do serviço de saúde mental para atendimento aos atingidos e que Minas Gerais e Espírito Santo receberam R$ 150 milhões em recursos para investimentos exclusivamente na área da Saúde.
Já o governo de Minas Gerais, informou por meio de nota que o Termo de Compromisso foi elabora visando dar maior segurança técnica e jurídica aos processos de descaracterização. Ainda de acordo com a assessoria de imprensa do Estado, com o Termo as empresas ficam obrigadas a executar a descaracterização das barragens no menor tempo possível, sendo que o prazo para a operação será definido individualmente por projeto. O documento explica também que atualmente apenas três empresas, responsáveis por 4 barragens, não aderiram ao Termo e que já estão sendo tomadas medidas administrativas e judiciais sobre os casos.
Sobre as sanções impostas às empresas por não cumprirem o prazo determinado inicialmente na lei, o governo informou que elas "foram compelidas a pagar pelo dano moral coletivo, causado pela manutenção das estruturas" e que "em caso de descumprimento injustificado de qualquer obrigação do Termo de Compromisso, incluindo o atraso no andamento do programa de descaracterização de barragens, as empresas estarão sujeitas a multas diárias no valor de R$ 100 mil por cada infração, acrescidos de juros de 1% ao mês", esclarece a nota.
Sobre a atualização no número de barragens à montante descaracterizadas em Minas Gerais, o governo afirma que das 54 estruturas, 10 já passaram pelo processo.
Edição: Larissa Costa