Minas Gerais

Coluna

Lula ganhou. E agora, companheiras?

Imagem de perfil do Colunistaesd
Gabriel Remus - Levante Popular da Juventude
A democracia anda bem quando há uma oposição forte e decente, que não é o caso do bolsonarismo

Depois do golpe que tirou Dilma da Presidência, vê-la comemorar a vitória com o mesmo vestido que usava quando, em seu último dia no cargo, de cabeça erguida diante daqueles que tentaram humilhá-la, disse que nós voltaríamos, nos fez sentir que finalmente a promessa de Lula se cumpriu, e a esperança venceu o medo.

É justo e necessário que cada uma de nós tire o seu tempo para relembrar todas as tristezas sentidas por quase sete anos, quando começou a pressão pelo golpe. Vimos a votação na Câmara perplexas, vimos carros circulando nas ruas com adesivos de Dilma com as pernas abertas sendo penetrada nos postos de gasolina a cada vez que os misóginos abasteciam seus carros.

Vimos Lula ser preso injustamente e assistimos à lenta construção de um sentimento antipetista baseado, muitas vezes, em argumentos mais esdrúxulos. Tivemos que assistir à destruição das políticas públicas que construímos com tanta luta, ruindo diante de mentiras tão óbvias e absurdas como as mamadeiras de piroca. Doeu. Muito.

E então veio a pandemia. Todas nós com medo de morrer, perdendo parentes e amigos, e o presidente fazendo piada e nos deixando ainda mais aterrorizadas. Vivemos um momento em que as notícias surreais eram diárias, em que todos os limites éticos foram ultrapassados sem o menor pudor, e nada mais parecia real.

Era como estar presa em um pesadelo. Nossa saúde mental foi deliberadamente deteriorada. E vencer a eleição depois desses anos tristes, difíceis e debilitantes é grande, é forte, e precisa ser celebrado profundamente. Sim, nós merecemos sentir que a esperança venceu o medo.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Acredito que nossa maior urgência hoje, como país, é exigir que Bolsonaro seja julgado pelos crimes que cometeu, o que só será possível com amplo apoio da mídia e grande pressão popular. Depois da prisão ilegal de Lula, não podemos responder com perseguição e mentiras, que foram as estratégias de construção do antipetismo.

Responderemos com tratamento digno e verdades. Um julgamento justo e isento, que prove o que tem de ser provado e dê punição justa aos culpados. E que mostre ao país que não se trata de vingança, mas de justiça, especialmente justiça àqueles que morreram pela negligência do governo na pandemia. Se esquecermos essas mortes, como esquecemos as mortes da ditadura, corremos o risco de novamente ter um sádico como o torturador General Ulstra sendo homenageado pelos nossos líderes daqui a alguns anos. Essa cena não pode se repetir.

É preciso não ter medo

Para que haja pressão pelo julgamento de Bolsonaro, é preciso que deixemos de ter medo, não só de ocupar as ruas, mas também de expor nossos pensamentos nos ambientes de convivência social e nas redes sociais. Nos últimos meses, muitas pessoas foram ameaçadas, agredidas e até assassinadas por uma pequena parcela do eleitorado bolsonarista que é violenta e perigosa, o que disseminou uma sensação de terror que não será vencida pela esperança, mas pela retomada de uma necessária sensação de segurança.

Para garantir a segurança de todos nós e viabilizar a mobilização que será necessária daqui para frente, rememorar todos os casos de figuras públicas que agiram com violência (física ou verbal) e lutar pela retirada de seus cargos (quando for o caso), mostrando que o país não será mais governado pelo ódio e pela intolerância, pode contribuir muito para que cessem os atos de violência.

Assim, acredito que teremos a força necessária para exigir que Bolsonaro seja investigado e julgado, de modo que seu eleitorado tenha a oportunidade de reavaliar seu apoio a partir da exposição dos fatos. Vale ressaltar que um esforço de desmonte de estruturas como o “gabinete do ódio” e a construção de uma estratégia robusta de combate às notícias falsas é fundamental para que os fatos revelados sejam absorvidos por uma parcela ampla da população.

Fato é que Bolsonaro teve 58 milhões de votos, sendo que, destes, 51 milhões já estavam com ele no primeiro turno. E todas nós conhecemos alguma pessoa querida, por quem nutrimos profundo afeto, que apoiou Bolsonaro, mesmo sendo contra tantos dos seus absurdos. É preciso entender que a grande maioria dessas pessoas não são idiotas, insensíveis e muito menos fascistas. São pessoas decentes que precisam ter seu espaço de representação na política.

São muitas as lições

Entre as lições que tiramos de todo esse processo, talvez a mais importante seja a de compreender, na prática, que a democracia anda bem quando há uma oposição forte (no sentido de representar uma parcela expressiva da população) e decente ao governo. Uma oposição cujo objetivo não seja derrubar o governo, mas pautar suas questões e questionar propostas. Assim, as pessoas que não votaram no presidente eleito têm seu lugar no espaço político, não tendo que migrar para movimentos oportunistas, como é o bolsonarismo.

:: Leia mais notícias do Brasil de Fato MG. Clique aqui ::

A “terceira via” era mesmo inaceitável diante da urgência de tirar Bolsonaro do poder, mas agora estamos em outro contexto. E neste novo contexto, no qual esperamos que em breve Bolsonaro seja desmascarado, aqueles que se colocavam como “terceira via” devem ter todo nosso reconhecimento e respeito, para que possam assumir o importante papel de se posicionar como oposição.

O mesmo vale para a grande parte do eleitorado bolsonarista, cujas motivações não eram os anseios por intervenção militar, mas sua legítima discordância em relação às propostas da esquerda. É preciso compreender isso, se quisermos parar de discutir obviedades como a importância da vacinação e voltar a discutir temas dignos de debate, como as privatizações, os controles orçamentários, as estratégias de combate à fome, entre outros temas que sempre estiveram na pauta do bom combate político no Brasil.

Será fundamental que uma oposição responsável, que esperamos ser feita pela retomada do espaço da direita que preza acima de tudo pela democracia e pelo bem comum, se coloque também como uma barreira diante dos rompantes antidemocráticos, da disseminação de mentiras, dos avanços contra o meio ambiente, dos discursos misóginos, e a tantos outros absurdos que ainda estarão pairando sobre o espectro político, tendo em vista a eleição de figuras como Damares, Pazuello e Ricardo Salles.

Devemos nos lembrar da atitude estadista que nossos melhores governantes tiveram ao longo da história. Voltar a ser o país em que José Serra aplica vacina em seu oponente político (Lula), porque ambos sabem que, no fim das contas, todos queremos um Brasil melhor e mais justo, embora defendamos estratégias diferentes para se chegar lá. Não somos inimigos.

Não vejo a hora de abraçar a todos que amo, que nessa eleição votaram em Bolsonaro, e voltar a ter com eles as conversas sobre política (e tantos outros assuntos) que formaram muito do que sou e do que penso hoje. Porque, seja como for, de uma coisa tenho certeza: este não será, jamais, o país do ódio. E essa é a vitória que precisamos seguir perseguindo.    

Renata Guimarães Vieira é doutora em economia e membra do Instituto Economias e Planejamento (IEP)

---

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa