Minas Gerais

BOLA PARA A FRENTE

Por que é preciso “saber perder”?

Não assumir uma derrota faz mal ao ser e ao coletivo

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Marcelo Camargo - Agência Brasil

“Quem espera que a vida seja feita de ilusão, pode até ficar maluco ou morrer na solidão”, canta a banda Titãs na sua famosa música “É preciso saber viver”. Coincidentemente, o verso pode ser bem empregado nestas semanas pós-eleição presidencial.

O país atravessou uma das campanhas eleitorais mais disputadas da democracia brasileira e ser derrotado pode trazer sentimentos angustiantes. Contudo, uma derrota bem refletida pode, inclusive, ser fonte de crescimento pessoal.

Saber perder significa saber lidar com a essência da vida, segundo explica a psicanalista Maria de Fátima Ferreira. “Aceitar a perda nos humaniza e nos civiliza, no sentido de que não podemos ganhar sempre, nem tampouco somos seres infalíveis”, reconhece. Para ela, significa saber lidar com nossa própria falta e saber que, afinal, somos seres incompletos.

Fátima, que é membra da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, descreve que a aceitação da derrota, assim como o luto, é um processo que acontece aos poucos, em pequenas operações. Em suas palavras, é um processo de “digerir” a perda.

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Para isso, é necessário evitar o rompimento de laços sociais. Ou seja, não se isolar e não colocar no outro a culpa pela perda que sofreu, indica a psicanalista.

“Mesmo que seja um sofrimento intenso, é fundamental que siga a vida. Mesmo triste, a gente tem que trabalhar, acordar, fazer café, estar com as pessoas com as quais a gente convive”, recomenda. Ao mesmo tempo, é preciso evitar “delegar ao outro toda a autoria dessa perda, nos colocando como vítimas”.

Derrota e negacionismo não se casam

Os esportistas talvez saibam disso melhor do que muita gente. Léo Calixto, ex-treinador de futebol e atualmente consultor técnico tático individual de atletas, confirma que negar uma derrota é a pior maneira de se passar por ela.

“Negar a realidade, negar o que está acontecendo, deixar de analisar o contexto e as nossas ações... Todas as vezes que eu passei por isso no futebol foram as piores formas de passar por uma derrota. Logo na frente, se transforma em uma derrota ainda maior, porque a gente evitou e hesitou em aprender com ela”, assegura.

Sendo uma figura de autoridade, a responsabilidade é ainda maior

Na final de um campeonato de futebol Society, no Sul do país, Léo vivenciou uma situação aflitiva. Seu time, da categoria sub 10 e sub 11 – ou seja, crianças – foi campeão nos pênaltis. O professor do time adversário reuniu seus alunos e começou a xingá-los de burros e a gritar.

“Me marcou muito, porque todas as crianças que estavam comigo olharam para mim assustadas. Os pais das outras crianças abordaram o técnico, assustou todo mundo”, descreve.

“Aquilo não estava de acordo com a posição dele, de professor. Quando um adulto referência não consegue lidar com frustrações, ele passa isso para a equipe. Atrapalha, frustra e gera traumas”, salienta. “Uma pessoa frustrada pode, sim, gerar situações violentas para a sociedade”, reflete.

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O mesmo enfatiza a psicanalista Maria de Fátima Ferreira. “Algumas pessoas vão seguir incrédulas da derrota, pela impossibilidade de constatarem a perda subjetivamente, em si mesmos”. Elas podem manifestar atitudes violentas contra o mundo externo ou contra si mesmos, se auto destruindo.

Sobretudo, a psicanalista indica não romper com o “contrato social”, que viriam a ser nossos direitos e deveres na sociedade. Por exemplo, como alguns eleitores derrotados nas urnas e que, não aceitando essa derrota, reagiram com bloqueios nas rodovias.

“É importante que as pessoas elaborem, falem disso de uma maneira favorável a consentir a perda”, aconselha a psicanalista.

Edição: Larissa Costa