Estamos assistindo a um grande ataque contra a fala do presidente eleito, Lula, em relação ao Teto de Gastos. Estudamos os efeitos no orçamento federal com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) 95/2016, conhecida também como a Emenda do Teto de Gastos.
Desde então, temos colocado em artigos, palestras e entrevistas o quanto é nefasto o “Novo Regime Fiscal”. A EC 95 afeta drasticamente os trabalhadores e a gestão pública porque congela por vinte anos os gastos primários, ao passo que nada corta dos gastos financeiros. O maior gasto financeiro brasileiro é aquele realizado com o pagamento de juros da dívida pública.
Esse sistema, no qual o pagamento de juros da dívida é priorizado, garante a contínua transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, para o deleite dos rentistas brasileiros e estrangeiros. A concentrada carga tributária brasileira se dá sobre o consumo, afetando diretamente os trabalhadores que pagam altos impostos e não têm a devida contrapartida em serviços públicos. Essa política intensifica a queda dos rendimentos reais dos trabalhadores em geral e corta radicalmente os direitos das classes desassistidas, mediante a redução dos investimentos em políticas sociais.
A EC 95 não prevê nenhum mecanismo para lidar com crises econômicas ou outros choques. Pelo contrário, engessa a política fiscal por duas décadas. Foi um ajuste fiscal focado exclusivamente nas despesas primárias por 20 anos, que afetou, e continua afetando, as políticas sociais, não deixando no orçamento nenhuma rubrica para o desenvolvimento econômico e social do país no médio e longo prazos. Ela deteriora fortemente o atendimento aos direitos sociais.
A solução para uma economia que precisa crescer é estimular o crescimento, e não cortar gasto
Ouvimos de vários candidatos à presidência, em 2022, a fala sobre a defasagem da tabela dos serviços pagos pelo SUS. Mas a causa não foi apontada. O valor baixo da tabela se deve ao congelamento do financiamento federal do SUS, a valores de 2016, para os próximos 20 anos, determinada pela EC 95. O repasse de recursos tem como base um ano em que o piso da saúde, devido à queda da Receita Corrente Liquida, ficou muito abaixo do valor empenhado no ano anterior.
O congelamento determinado pela EC 95 não levou em conta as transformações demográficas e epidemiológicas em curso no país, o envelhecimento da população, o desemprego, a volta da tuberculose, sífilis, dengue e uma pandemia que não era possível prever.
A redução do gasto com a saúde e dos gastos com as políticas sociais, de uma forma geral, afetou os grupos sociais mais vulneráveis, contribuindo para o aumento das desigualdades sociais vistas a olhos nus em nosso país.
Outra medida social muito afetada pela EC 95 foi a do salário mínimo, permitindo ao presidente da república não dar aumento real. Pela norma, o governo não é obrigado a dar um reajuste real, ou seja, acima da inflação, se o PIB de dois anos antes registrar contração. Outro mecanismo para tirar o poder de compra dos trabalhadores foi a não correção das faixas salariais da tabela de incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física. A não correção da tabela aumenta as receitas do governo.
De outro lado, estão os gastos que ficaram fora do teto, os gastos financeiros. Os recursos para os gastos financeiros vão para pagamento, com as maiores taxas juros do mundo, aos detentores dos títulos da dívida pública. Uma divida pública que só cresce. O que se apurou até então é que se trata de uma dívida meramente financeira.
Na EC 95 está escancarado o privilégio dos detentores dos títulos da dívida pública no orçamento federal, visto que foi congelada a destinação de recursos para todas as rubricas orçamentárias primárias por 20 anos e os recursos destinados à dívida pública ficaram sem limite.
Esse “Novo Regime” amarrou todas as possibilidades de desenvolvimento socioeconômico do Brasil, devido ao aprofundamento do cenário de escassez de recursos para investimentos, ao mesmo tempo em que só aumentou a transferência de recursos para o setor financeiro.
Quem ganha e quem perde?
Quem ganha? Os rentistas e quem não quer financiar os serviços públicos por meio de impostos (necessitamos de uma verdadeira reforma tributária), o grande capital, que enxerga o Estado como concorrente, apresentando uma proposta neoliberal em que quer diminuir o Estado ocupando setores que geram grandes lucros, como saúde e educação.
Quem perde? A população, principalmente a de baixa renda, isto é, aqueles que são os principais beneficiários dos serviços públicos. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Os efeitos da austeridade afetam de forma distinta os diferentes agentes econômicos e classes sociais, de forma que os mais vulneráveis, que fazem mais uso dos serviços sociais, são mais afetados, principalmente quando temos precariedades na infraestrutura (urbana, econômica e social).
A solução para um desajuste fiscal em meio a uma economia que precisa crescer é necessariamente estimular o crescimento e não cortar gasto. É melhor aumentar o deficit público para evitar uma recessão do que experimentá-la por causa de uma recessão criada para não aumentar a relação Dívida Pública/PIB. O PIB brasileiro cresceu menos que a média mundial nos últimos dez anos, verdadeira tragédia nacional, principalmente se analisá-la sob a ótica social. A renda per capta dos brasileiros retrocedeu aos níveis de 2008.
No meu ponto de vista, o Estado é o principal indutor do crescimento econômico. Ressaltamos que empresários não investem só porque o governo fez ajuste fiscal. Há investimento quando há expectativas de lucro e demanda para os seus produtos. O Japão, por exemplo, tem dívida de mais de 200% em relação ao seu PIB, o que não representa um problema porque podem refinanciar a dívida a taxas de juros muito baixas, às vezes, até negativas.
É evidente que a qualidade do gasto no Brasil tem que ser discutida. É necessário combater os excessos e tornar o gasto mais eficiente. As possibilidades de fontes de financiamento evidenciam que este é um debate que deve envolver toda a sociedade brasileira.
Não podemos aceitar a pressão de um grupo que sempre teve lucros astronômicos em cima da população brasileira, num país que tem mais de 50% do orçamento público destinado ao rentismo. Não podemos ficar presos às agências de rating. Estas só servem ao mercado. Temos inúmeros casos reais de como elas funcionam dando triplo A para empresas à beira da falência. Esse modelo só levou a economia brasileira a uma dinâmica de baixo crescimento. É urgente e necessário que o orçamento de 2023 seja para melhorar a qualidade de vida da população brasileira.
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Eulália Alvarenga é economista pela PUC/MG e especialista em gestão pública e em direito tributário.
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Wallace Oliveira