Os movimentos sociais precisam estar atentos e dispostos à luta e à construção do poder popular
Qual o papel do poder popular se não construir no ideário cotidiano uma nova ordem de sociedade que tenha como compromisso a eliminação de todas as formas de violências e opressões? Essa nova ordem não se limita a dialogar apenas pelas necessidades humanas no campo da cidadania e na promulgação dos direitos, hoje pouco materializados.
A capacidade da organização dos movimentos sociais é imensa e ainda pouco explorada. A perspectiva da identidade, unidade e diversidade pressupõe ampliar a luta de classes na identificação das formas e cores que aproximam o povo e seus territórios. A liberdade, como um desejo humano, se materializa como direito no fazer político da comunicação, da soberania, do pensamento cotidiano. A liberdade de expressão como máxima é parafraseada por Galeano sobre a utopia daquilo que nos impulsiona para caminhar.
A liberdade como palavra de convencimento e concepção, nas últimas décadas, foi sequestrada pela ideologia do sistema capitalista no planeta. Entre a matéria prima e a força de trabalho, o que se buscou materializar no conceito de liberdade foi o movimento de consumo. A ideia de que somos livres para consumir se faz fomentada pelo interesse individual. É nesse movimento que se esvaíram importantes partes da fauna e da flora de muitos continentes, que se ampliou o vazio ambiental construído pela ganância da exploração na garantia do lucro.
A liberdade na projeção capturada pelo neoliberalismo nas últimas décadas não responde às seguintes inquietudes humanas: existe liberdade para quem tem fome? Existe liberdade para quem não tem acesso à educação? Existe liberdade para quem não tem remédio para seus filhos? Existe liberdade para o jovem que teme pela vida? Existe liberdade para quem vive com medo? Na atual realidade, existe liberdade para trabalhar quando vivemos ou sobrevivemos?
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O projeto popular de país que queremos se constitui de motivações necessárias para reflexões sobre a análise da estrutura da formação sócio-histórica do Brasil e da América Latina. Essas motivações apresentam repúdio ao escravismo, ao patriarcado, ao patrimonialismo, ao assistencialismo e frente a outras violências postas. Antes que tardia, a liberdade, provocada pelas reflexões de Lélia Gonzalez, nos pergunta: liberdade para quem?
A dimensão do conceito de liberdade como utopia, palavra e discurso face a sociedade capitalista, que denota o contrato social no qual trocamos a liberdade pela cidadania e os direitos como ganhos, na mediação da relação capital sobre o trabalho, não nos acalenta. Essa forma de viver isolados entre fones de ouvido e viseiras sociais não nos cabe. Nossa rebeldia coletiva nos leva a querer mais, sempre.
As reflexões para a análise de conjuntura no Brasil, como exemplo, levaram ao poder um governo autoritário que apropriou do falso discurso de Liberdade sustentado por movimentos de extrema direita que a partir da meritocracia buscaram nos convencer que é possível uma liberdade individual pautada no consumo e nos valores morais. Uma liberdade autorizava discursos de ódio e mentiras e que perseguia a diversidade a partir da imposição na vida das mulheres, de negras e negros e de jovens pobres. Uma ideia de prisões aos dogmas do perverso que nos distanciou a partir de mais um golpe de Estado. Um individualismo que tentou eliminar do povo o debate programático e coletivo.
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Essa formatação do conceito de liberdade individual perdeu sentido, não apenas pelo voto nas ruas, mas porque não permitia especialmente aos mais pobres fazer escolhas. Afinal, como fazer escolhas entre a pobreza e a fome? A escolha da classe trabalhadora no Brasil foi por romper o modelo individualista de liberdade, uma liberdade que apenas serve aos ricos. A derrota eleitoral frente ao neoliberalismo e ao neoconservadorismo também se apresenta em vários países latino americanos, mas é necessário continuar resistindo e avançar. Os movimentos sociais precisam estar atentos e dispostos à luta de classes e à construção do poder popular.
Não há liberdade como condição individual. Só existe liberdade se a práxis estiver disposta a partir de uma construção coletiva, que inclua em sua gênese todas, todes e todos. Que a liberdade possa ter como horizonte a alvorada de um novo amanhã. O hoje não nos cabe.
Leonardo Koury Martins é assistente social, professor, conselheiro do CRESS-MG e militante da Frente Brasil Popular.
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa