Minas Gerais

ESCASSEZ

Comunidade de Brumadinho vive de caminhões-pipa desde que a Vale contaminou o reservatório

Moradores do Tejuco protestaram na segunda (21) pela recuperação das nascentes e contra a gestão da água pela Copasa

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Crédito - Reprodução

A população da comunidade Tejuco, de Brumadinho (MG), manteve três estradas paralisadas na segunda-feira (21) durante 12 horas. Foram bloqueadas as principais vias utilizadas pelas mineradoras nos arredores da comunidade, para denunciar a escassez e a contaminação da água, ao que tudo indica, por responsabilidade da Vale.

Desde o rompimento da barragem no Córrego do Feijão, em 2019, os moradores do Tejuco vivem com falta de água. As nascentes secaram e o local passou a ser abastecido por caminhões-pipa, assumidos pela prefeitura e pela Copasa que, segundo moradores, nunca foram suficientes.

Quase dois anos depois, em dezembro de 2020, outro grave episódio aconteceu. Para tentar manter a lama tóxica longe das nascentes da comunidade, a mineradora Vale construiu uma caixa de contenção. Ao realizar a limpeza da caixa, funcionários da Vale teriam despejado a lama diretamente no reservatório de água do Tejuco.

O resultado foi desastroso para a comunidade. “Eles contaminaram toda a nossa rede de tubulação com lama, pedaços de pedra e minério”, descreve o morador Evandro França de Paula, membro da Comissão pela Água do Tejuco. “A caixa de distribuição que sustenta a comunidade ficou toda enlameada. As caixas d'água de 700 famílias. A lama entupiu as torneiras, o chuveiro, o aquecedor solar”, conta.

Hoje, a comunidade tem sido abastecida por caminhões-pipa da Vale, contudo, por meio da rede de distribuição que não passou por descontaminação após o incidente. Um estudo encomendado pela Associação e Comissão da Água do Tejuco, constatou um volume nocivo de alumínio, ferro e manganês, bem acima do que dos valores máximos indicados pelo Ministério da Saúde.

A falta de água também continua sendo uma realidade. “Tem dia que às 17h já não tem mais água e não temos retorno do porquê a água acabou”, lamenta Evandro.

Pela volta da gestão comunitária

Para tentar uma solução para o problema, foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre Vale, Copasa, Ministério Público (MP), Defensoria Pública e a empresa de consultoria Aecom Brasil Ltda, no qual planejam a perfuração de dois poços artesianos, feitos pela Vale, que os entregaria à Copasa para gestão e abastecimento do Tejuco.

Os protestos da segunda (21) reivindicam a revisão desse TAC. O advogado Marco Antônio Cardoso, membro da Comissão pela Água do Tejuco, afirma que a comunidade não participou das tratativas do termo e a solução não é bem-vinda.

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“Queremos que a mineradora recupere o que ela danificou [nascentes e a rede de distribuição], que nós possamos ter novamente a gestão comunitária das nascentes, que o TAC seja revisto e reaberto, pois as reivindicações comunitárias não foram atendidas. Infelizmente, o MP e a Prefeitura de Brumadinho estão sendo complacentes com a violação de direitos das mineradoras na região”, relata o advogado, que também é membro jurídico da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser).

Dentro dessas reivindicações, está também o fechamento de uma estrada dentro da comunidade que foi reaberta após o rompimento, com o objetivo de agilizar as ações de reparação – buscas pelas vítimas e a retirada da lama, por exemplo. No entanto, a estrada continua sendo usada pelos caminhões das mineradoras, causando transtornos.

Questionado pela reportagem, o Ministério Público de Minas Gerais argumentou que já realizou diversas reuniões com os moradores do Tejuco e está à disposição. Informou ainda que "os argumentos levantados pela comunidade serão analisados".

Na mesma linha, respondeu a Defensoria Pública de Minas Gerais, que também garante já ter promovido reuniões com a comunidade. “A princípio, atuamos por uma solução consensual capaz de agilizar o atendimento à demanda”, defendeu em nota. Tanto o Ministério Público quanto a Defensoria foram perguntados se irão pedir a revisão do TAC, mas não responderam diretamente sobre esse assunto.

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Em nota, a Copasa informa que as obras de implantação de um novo sistema de abastecimento para atender a comunidade do Tejuco consta no quarto aditivo do Termo de Compromisso assinado pela Vale e  pelo Ministério Público, homologado judicialmente.

A companhia diz ainda que, nesse documento, a Vale assumiu a responsabilidade de implantar as obras, que estão sendo acompanhadas pela Copasa e auditadas por uma assessoria técnica independente a serviço do MPMG.

Em nota, a Prefeitura de Brumadinho disse que "encara o protesto dos moradores da Comunidade do Tejuco legítima, dentro do que prega a Constituição referente ao livre direito de manifestação. Entretanto, salienta que, em nenhum momento os moradores da localidade ficaram desassistidos com relação ao abastecimento de água". Disse ainda que a prefeitura, "no que tange às questões do pós-rompimento da barragem de Córrego do Feijão, é mera observadora (apesar de protestar junto ao estado e demais atores), não tendo sido referenciada no citado Termo de Ajustamento de Conduta". 

A Vale também foi questionada, mas não respondeu até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.

Contaminação por metais pesados

Marco Antônio lembra ainda que o Tejuco, assim como outras comunidades de Brumadinho, vive as consequências do contato com a lama tóxica. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que a população de Brumadinho sofre com os níveis de metais pesados no organismo acima do tolerável.

Foram observadas amostras de sangue e urina de 3.297 pessoas, que apresentaram concentração elevada de metais, acima dos limites de referência em todas as faixas etárias, nas quatro regiões estudadas: Parque da Cachoeira, Córrego do Feijão, Tejuco e Aranha. Constatou, ainda, excesso de doenças respiratórias e mentais.

Mais de 50% das crianças de 0 a 6 anos apresentaram amostras urinárias com pelo menos um metal acima do valor de referência. Arsênio foi encontrado acima do limite em 41,9% das amostras analisadas e o chumbo em 13% delas.

(Matéria atualizada em 28 de novembro de 2022, para incorporação da resposta da Prefeitura de Brumadinho)

 

Edição: Larissa Costa