Foi entregue aos membros da equipe de transição do governo Lula-Alckmin, na última semana, uma carta pedindo a desativação da Penitenciária José Maria Alkmin (PJMA) em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e a sua transformação em uma universidade pública.
A reivindicação parte do movimento #DesativaPJMA, que reúne moradores da cidade, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, membros de pastorais e paróquias, acadêmicos e familiares de pessoas privadas de liberdade.
Gildázio Santos, representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos, esteve em Brasília e entregou pessoalmente a carta a membros da equipe de transição, entre eles a deputada Maria do Rosário (PT-RS), do grupo temático (GT) de Direitos Humanos, e a recém-eleita deputada federal Duda Salabert (PDT-MG).
Ribeirão das Neves está entre os municípios brasileiros com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e menor Produto Interno Bruto (PIB) per capita. Ao mesmo tempo, não se sabe se por coincidência, foi escolhida pelo governo de Minas Gerais para abrigar seis unidades prisionais, sendo uma delas o primeiro complexo prisional realizado por meio de parceria público-privada (PPP) do país, planejado para 3 mil vagas.
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Foi na ocasião da aprovação e construção do novo presídio PPP, contra a vontade da população nevense, entre 2009 e 2013, que o governo do estado prometeu, como contrapartida, desativar a penitenciária mais antiga da cidade e de Minas Gerais, a PJMA, para colocar em seu lugar uma universidade. No entanto, desde então, se passaram dez anos e a promessa não foi cumprida.
História
A PJMA foi inaugurada em 1938 por Getúlio Vargas como Penitenciária Agrícola de Neves (PAN). Considerada pioneira na adoção do trabalho como forma de reinserção social, a PJMA se tornou um patrimônio da cidade, tendo o seu complexo tombado pelo Decreto Municipal nº 16/2009, por seu valor urbanístico, arquitetônico e histórico. O prédio abrigou os primeiros e únicos teatro e sala de cinema da cidade, além de ter sido berço de personalidades, como o cartunista, jornalista e escritor Henfil, cujo pai era funcionário da penitenciária.
Posteriormente, durante a ditadura militar no país, a Colônia Penal Magalhães Pinto, anexada à PJMA, foi utilizada como local de repressão e tortura, o que foi recentemente registrado no relatório da Comissão da Verdade. Hoje, o presídio encontra-se em péssimas condições de preservação e funcionamento, o que viola a dignidade das pessoas que estão em privação de liberdade nessa unidade.
Segundo Rosely Augusto, integrante do movimento e moradora da cidade, hoje, Ribeirão das Neves sofre com o estigma de “cidade presídio”, o que prejudica a autoestima de seus moradores e o sentimento de pertencimento e identidade com o seu território. Portanto, para ela, a transformação da penitenciária significaria a transformação da “cidade presídio” em “cidade educadora” e, com isso, todos os seus cidadãos seriam impactados positivamente pela mudança.
Reivindicações
O movimento #DesativaPJMA defende na carta entregue à equipe de transição que a proposta vai ao encontro do lema do novo governo, que propõe “mais livros, menos armas”, ao defender “mais escolas, menos cadeias”. Trata-se de adotar um novo paradigma que coloca a educação no centro do processo de transformação social.
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Um governo comprometido com o combate às desigualdades precisa, além de aumentar os investimentos em educação e cultura, reduzir os investimentos em prisões, pois elas contribuem para o empobrecimento das famílias atingidas e, com isso, para o aumento das desigualdades. E isso precisa ser feito prioritariamente em territórios historicamente vulnerabilizados, como Ribeirão das Neves.
Os governos não podem manter o descaso com o município, desconsiderando o direito humano à cidade e impetrando decisões de cima para baixo, sem a escuta da população, favorecendo apenas os interesses do mercado.
Sabe-se que a desativação da PJMA contribuiria também para impulsionar o desenvolvimento social e econômico do município, além de ampliar as opções de formação dos jovens na cidade e de garantir a preservação desse patrimônio histórico e cultural que representa a PJMA.
A expectativa do movimento #DesativaPJMA é que o governo federal, na gestão que se inicia no próximo ano, abra espaço de diálogo e interlocução com o governo estadual e com a sociedade civil para contribuir no processo de desativação da penitenciária e na sua transformação em uma universidade pública e em um centro de cultura e memória.
Com isso, se fortalece também uma política de segurança pública cidadã, que se inicia por meio de investimentos em educação e cultura, especialmente em territórios que apresentam elevados índices de vulnerabilidade social, com os quais existem dívidas históricas do poder público e da sociedade brasileira.
Marcela Menezes é especialista em políticas públicas e integrante do Coletivo Balaio.
Alessandra Vieira é professora da UEMG e pesquisadora sobre o sistema prisional.
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa