Minas Gerais

Coluna

O início da retomada da aliança entre os brasis

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Divulgação - Igor Carvalho
Que a aliança perdure e avance na construção do Brasil potência

Ufa! O presidente Lula tomou posse e o processo de reinvenção do Brasil já dá seus primeiros passos. Tenho defendido a tese de que o Brasil, como totalidade histórica construída a partir da potência da matriz de sociabilidades que o compõe, jamais existiu. O que existe é o Brazil – assim, com z – que se sobrepõe, violentamente, aos brasis. Em alguns momentos dessa história, os brasis tentaram emergir, como nos períodos dos governos Lula e Dilma, enfrentado as contradições inerentes a essa multiplicidade de sociabilidades e contra o próprio Brazil, que sempre respondeu com mais violência e golpes de toda natureza.

Nada é mais representativo da tentativa de nova ascensão dos brasis do que a posse de Lula. O fascista Bolsonaro – mamulengo do partido militar – fugiu do Brasil e se recusou a fazer a entrega da faixa. Felizmente! Os brasis assumiram o ritual de subida da rampa e fizeram de Lula a ponta da flecha. Nesse momento, vi Sísifo feliz, pois ele não estava sozinho. A faixa, então, transcendeu para além de um símbolo de hierarquia, tornou-se um símbolo de aliança – a aliança entre os brasis.

Um menino preto (promessa da natação nacional); uma mulher preta, mãe, catadora e ativista; um metalúrgico, rapper; um professor; uma cozinheira; um ativista da luta anticapacitista; um artesão; e um ancião originário – Cacique Raoni – liderança do povo Kaiapó. A construção do Brasil – com s, que reflita o fim das mazelas dos brasis, passa, necessariamente, por essa aliança.

Boas novidades nos ministérios

A formação do ministério de Lula também aponta para essa aliança entre os brasis. Não é pouco a criação de um Ministério dos Povos Indígenas, dirigido por Sonia Guajajara, e a renomeação da Funai, que agora passa a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas, sob a gestão de Joênia Wapichana. Tão grande quanto é um Ministério dos Direitos Humanos dirigido por Silvio Almeida e um Ministério da Igualdade Racial que tem à frente Anielle Franco, dois grandes intelectuais e ativistas brasileiros. Silvio Almeida, em sua posse, falou o “óbvio”, mas de forma inédita: os brasis “existe(m) e é(são) importante(s) para nós”.  

No Ministério da Fazenda, Fernando Haddad e sua equipe sinalizam para a desestigmatização da política fiscal, inclusive com um novo marco fiscal, algo necessário para a retomada de esforços de reaquecimento da economia, com uma nova indústria atrelada aos objetivos de transição ecológica.

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O recém-criado Ministério da Gestão e da Inovação no Serviços Públicos, sob a gestão da economista Esther Dweck, aponta para um necessário desembaraço estatal – leia-se, substituição de todo aparato liberal da década de 1990, feito para embaraçar, dificultar a ação estatal em favor das necessidades do povo. Essa é a verdadeira e necessária reforma administrativa do Estado brasileiro. Além disso, teremos o fundamental Ministério de Ciência e Tecnologia, sob a gestão de Luciana Santos, do PCdoB – partido que tem se orientado pela construção de um projeto nacional de desenvolvimento –, que deverá trabalhar em conjunto com outros ministérios, a academia e todo o sistema produtivo na construção de um Sistema Nacional de Inovação.

Também se destaca a inversão de situação nos estratégicos ministérios da Saúde e Educação, respectivamente dirigidos por Nísia Trindade e Camilo Santana. A posse de Nísia, como mencionado pelo também Ministro Alexandre Padilha durante a cerimônia de posse, é como um respiro no Brasil sufocado pela pandemia da covid-19, potencializada pela gestão genocida de Bolsonaro-Pazuello-Queiroga. Não esqueceremos! Viva o SUS! Como é bom voltar a ter Ministério da Saúde.

Camilo Santana, por sua vez, tenta trazer para a escala nacional o sucesso das últimas décadas na educação pública do Ceará. O desafio é grande. A educação brasileira sofre com o descaso dos últimos anos – da falta de recursos e de qualidade da merenda ao devaneio da perseguição alucinada (pelos bolsonaristas) à “escola sem partido”, bem como com o avanço oportunista das grandes corporações escolares e sua força de monopolização, da creche ao ensino superior.

Pacote de revogaços e preocupações

Do ponto de vista prático, o governo de Lula não perde tempo. Logo nas primeiras horas, um pacote de “revogaços” sinaliza a mudança do ambiente. Entre as principais medidas estão a revogação do conjunto absurdo de decretos e resoluções do governo do genocida Bolsonaro que feriam os direitos humanos, revogações de benefícios fiscais e facilitação para o garimpo ilegal emitidas nas últimas horas de 2022 por Mourão, além do cancelamento da abertura de processos de desestatização de empresas públicas, como os Correios e a Petrobrás.

Mas o Brazil persiste, principalmente nas instituições de Estado, inclusive no próprio governo de Lula. Exercendo o papel de cobrança, pedido pelo próprio presidente Lula, aponto duas preocupações imediatas.

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A primeira delas é com a destinação do Ministério das Comunicações ao União Brasil, representado pelo deputado Juscelino Filho. Sem querer fazer uma crítica demasiada à pessoa, justamente por não ter conhecimento robusto acerca de sua trajetória, mas a comunicação é estratégica demais no mundo contemporâneo para não sabermos, em detalhes, a trajetória de um ministro (ainda que já saibamos que se trata, de fato, de um político conservador, para dizer o mínimo).

Comunicação é questão de soberania e desenvolvimento, pois estamos falando de, pelo menos, três elementos/desafios centrais da vida e da crise contemporânea:  1. popularização do acesso à internet – sendo que em nosso país mais de 50% da população não tem ou tem acesso limitado à internet; 2. implantação da rede 5G e de data centers poderosos, infraestrutura fundamental para qualquer perspectiva de industrialização 4.0 e incremento de serviços complexos; 3. a necessidade de um marco civil da internet mais robusto e regulação do mercado de telecomunicações, que se faz cada vez mais urgente, com tantas mentes à mercê de monopólios, principalmente das big techs. Essa última pauta, já sabemos que ficará sob responsabilidade da Secretaria Nacional de Comunicação Social, dirigida por Paulo Pimenta. Ainda, assim, não é possível fazer avaliações de vésperas e que o ministro Juscelino tenha o sucesso que esperamos dele.

A segunda preocupação é com o Ministério da Defesa, dirigido por José Múcio Monteiro, e a necessária reorientação profissional das Forças Armadas. A pergunta que fica é se Múcio é o ministro civil de Lula ou se é um representante dos militares no ministério de Lula. Ao se referir a Bolsonaro como um “democrata”, o ministro sinalizou para a segunda opção. Em sua cerimônia de posse fez mais referências à cordialidade de seu antecessor do que ao próprio presidente Lula. Essa é uma disputa central, uma vez que a geração que hoje se encontra no comando das Forças Armadas se porta como militantes políticos de uma extrema direita descolada dos desafios civilizacionais do país e do mundo, com baixa sofisticação técnica e completamente ideologizada e saudosa de seu papel como branco armado do Brazil.

Enquanto isso, no mundo distópico do Brazil que sofre de dissonância cognitiva, há bolsonaristas que ainda juram que a posse de Lula não ocorreu. Mas, faço um alerta: parte dos brasis foram envolvidas pela narrativa distópica do Brazil. Precisamos resgatá-los. Estamos só no começo, que a aliança entre os brasis perdure e avance na construção do Brasil potência.

Weslley Cantelmo é economista, doutorando em economia pelo Cedeplar/UFMG, membro fundador e presidente do Instituto Economias e Planejamento e do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais.

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa