Minas Gerais

CONTINUAÇÃO

Após 4 anos do crime da Vale em Brumadinho, atingidos convivem com impunidade e violência

Enquanto processo se arrasta na Justiça, lideranças sofrem ameaças

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
“Sem justiça criminal não há reparação possível. Só a punição dos culpados poderá amenizar o sofrimento das pessoas", afirma advogado - Foto: Marcela Nicolas

“Não passou, não acabou”, relata Andresa Rodrigues, atingida pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). Passados quatro anos do crime, as famílias da bacia do Rio Paraopeba e da represa de Três Marias afirmam que convivem até os dias de hoje com as consequências.

“Adoecimento físico, psicológico e estrutural. Seguimos no luto interminável. O crime da Vale segue nos sacrificando. A lama da Vale nos sufoca e as manobras dela nos aprisiona”, complementa Andresa, que é integrante da Associação dos Familiares das Vítimas de Brumadinho (Avabrum).

Além das 272 vítimas fatais, três delas ainda não encontradas, a lama tóxica deixou seu rastro de destruição no rio, nas histórias e no modo de vida de milhares de atingidos e atingidas. Ainda assim, nenhuma pessoa foi formalmente responsabilizada e o processo contra as empresas se arrasta na Justiça. 

Processo invalidado

Em dezembro do ano passado, uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou a ação penal que tramitava desde 2020 na Justiça estadual. No processo, além da Vale e da empresa alemã Tüv Süd, 16 pessoas físicas eram citadas, acusadas de homicídio doloso duplamente qualificado e de crimes ambientais.

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Após receber recursos de dois dos acusados, Fabio Schvartsman, ex-diretor-presidente da Vale, e Felipe Figueiredo Rocha, engenheiro da mineradora, o STF considerou que o caso deveria ser julgado pela Justiça Federal. O Supremo determinou, neste mês, que a Justiça Federal de Minas Gerais dê andamento imediato ao processo criminal, devido ao risco de prescrição.

Em abril do ano passado, Fabio Schvartsman foi nomeado membro do Conselho de Administração da Vibra Energia, antiga BR Distribuidora. Até março deste ano, o ex-diretor-presidente da Vale recebe remuneração de mais de R$ 16,5 milhões para desempenhar o cargo.


Fabio Schvartsman, ex-diretor-presidente da Vale / Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Caso a decisão do STF seja definitiva, será necessário apresentar novamente as acusações contra os suspeitos de serem responsáveis por um dos maiores crimes socioambientais e trabalhistas da história do Brasil.

Na Alemanha, o Ministério Público de Munique também apura se atores do país têm responsabilidade criminal pelo rompimento da barragem. As investigações começaram após familiares de vítimas, junto ao Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos, apresentarem queixa contra a Tüv Süd.

“Sem justiça criminal não há reparação possível. Só a punição dos culpados poderá amenizar o sofrimento das pessoas que estão traumatizadas pela perda de seus familiares ou pela mudança abrupta de seus projetos de vida”, avalia o advogado coordenador do Observatório das Ações Penais sobre a Tragédia em Brumadinho Danilo Chammas.

Consequências

Como consequência da impunidade, os atingidos relatam uma série de violações, que vão desde a falta de reparação integral até a perseguição de lideranças comunitárias.

Segundo as famílias, a demora para punir as empresas e os responsáveis pelo crime abre espaço para que a Vale determine por conta própria como deve agir nos territórios e siga reproduzindo a lógica que culminou no rompimento da barragem em 2019.

:: Leia edição especial do Brasil de Fato MG sobre os quatro anos do crime da Vale, em Brumadinho ::

“A impunidade do crime propicia o cenário ideal para a Vale continuar controlando o processo de reparação e reproduzindo suas violências, pressionando trabalhadores terceirizados, negligenciando as demandas das comunidades, provocando o aumento do adoecimento físico e mental, e perseguindo as vozes que destoam da sua narrativa”, avalia Marina Oliveira, uma das atingidas.

Defensora de direitos humanos e da natureza, Marina relata que a mineradora desenvolveu um método para inibir, oprimir e restringir as ações de denúncia contra a empresa, tornando o ambiente hostil.

“O objetivo central é amedrontar e desmoralizar lideranças, questionando a natureza dos seus valores de defesa comunitária e buscando quebrar elos e laços entre elas e suas comunidades”, relata a atingida.

Escalada de violência

Defensor dos direitos dos atingidos da região, o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte Dom Vicente Ferreira foi vítima de ameaças no fim do ano passado. Em uma das ocasiões, o agressor estava armado.

“O motivo das ameaças de morte certamente é porque a atuação pastoral de dom Vicente Ferreira tem sido profética denunciando as injustiças e as violências que a mineradora Vale e outras mineradoras vêm perpetrando”, avaliou a Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, em nota divulgada na época.

Longe de ser apenas um caso isolado, Dom Vicente contou ao Brasil de Fato MG, que lideranças e ativistas da bacia do Paraopeba e da represa de Três Marias sofrem ameaças diretas e indiretas constantemente.

“Há várias pessoas dos territórios atingidos pelo crime da Vale que estão em programas de proteção de defensores dos direitos humanos. Não estou falando de coisas abstratas. Temos notícias reais de tentativas de homicídios”, afirma o bispo.

:: Leia entrevista na íntegra com dom Vicente Ferreira: “A gente continua resistindo, por memória, justiça e esperança” ::

Reincidência

O último relatório mensal da Agência Nacional de Mineração (ANM), divulgado em dezembro do ano passado, indicou que 23 barragens da Vale S.A em Minas estão em nível de alerta ou emergência.

Entre elas, a barragem Forquilha III, localizada em Ouro Preto, foi classificada como nível 3, que indica risco iminente de rompimento. No mesmo município, outras cinco estruturas da empresa estão classificadas como nível 2.

:: Especial | Rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), completa 4 anos ::

Em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, outras seis barragens da Vale também estão em nível de emergência. Os municípios mineiros de Itabira, São Gonçalo do Rio Abaixo, Barão de Cocais, Itabirito, Catas Altas, Mariana e Santa Bárbara também têm barragens da mineradora em nível de alerta ou emergência.

“A Vale S.A. segue operando normalmente em todo o território nacional, auferindo lucros exorbitantes e distribuindo dividendos vultuosos a seus acionistas”, comenta Danilo Chammas.

O outro lado

Procurada pela reportagem, a Vale S.A. não respondeu. O espaço segue aberto para posicionamento.

Edição: Larissa Costa