Na véspera das festas do fim de 2022, a mineradora Zona da Mata Mineração S.A. (ZMM) notificou uma moradora da comunidade de São Pedro, município de Teixeiras (MG), acusando-a de ser responsável por duas invasões (que jamais ocorreram) à propriedade da mineradora, o que supostamente teria causado prejuízos nas operações minerárias da mesma. A notificação pede ressarcimento milionário à moradora.
Desde sua instalação, em 2019, o empreendimento minerário da ZMM vem sendo tema de diferentes pesquisas. Seu licenciamento ocorreu pelo formato de Licença Ambiental Concomitante 1 (LAC 1), que em uma única fase contempla três etapas de Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). Essa “facilidade” foi possível pelas modificações da Lei estadual nº. 21.972/2016 e, sobretudo, pela Deliberação Normativa Copam nº. 217/2017.
Este tipo de licenciamento acelera a aprovação dos projetos e reduz a participação popular, prejudicando a exposição dos interesses da população em geral. O licenciamento por meio do LAC1 de um empreendimento flagrantemente impactante como o da ZMM, representa a flexibilização da legislação ambiental, o desmonte ambiental e do papel do Estado na condução, formulação e implementação da política ambiental.
Segundo moradores da comunidade de São Pedro, os agricultores da região estão abandonando a agricultura e muitos deles alugaram por valores irrisórios para a mineradora suas propriedades onde produziam ou foram obrigados a cedê-las por força liminar. Esta situação é preocupante principalmente ao considerar que são 2.587 pessoas ocupadas no setor agropecuário em Teixeiras e 1.063 pessoas em Pedra do Anta, com populações respectivamente de 11.355 e 3.365 pessoas.
A mina da ZMM vem gerando desestruturação produtiva, esgarçamento do tecido social, poluição aérea e sonora, rachaduras nas residências das casas vizinhas à mina e exposição ao risco de fragmentos de rocha lançados pela utilização de explosivos atingirem os moradores.
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De acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM), nos anos de 2019 e 2020, a ZMM fez o pagamento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) apenas nos meses de janeiro e fevereiro de 2020, não havendo pagamentos em 2019 e nos meses após fevereiro de 2020.
A CFEM é uma contraprestação paga à União pelo aproveitamento econômico dos recursos minerais não renováveis, explorados sob o regime de concessão pública. O próximo pagamento só ocorreu em 2021. Esta prática recorrente da empresa gera instabilidade na arrecadação do município e prejudica ações do poder municipal visando atenuar os danos gerados pela própria mineração, além de impossibilitar o planejamento de investimentos a médio e longo prazo.
Outro problema causado pela ZMM é o do transporte dos minérios realizado por carretas que prejudicam ruas e estradas, como é o caso de Viçosa e região e da própria comunidade de São Pedro. E oneram as prefeituras e governos estaduais, responsáveis pela manutenção da infraestrutura viária.
Por fim, o assédio a lideranças comunitárias atingidas por mineradoras foi classificada em pesquisas como estratégia de intimidação e ocorre sistematicamente desde a implantação do projeto da ZMM. A moradora notificada já vinha sendo alvo de intimidação promovida pela empresa, denúncia exposta, em setembro de 2022, durante o evento Mineração em Debate: disputas e alternativas, realizado na Universidade Federal de Viçosa (UFV).
A instrumentalização do poder judiciário enquanto estratégia de intimidação é mais uma prática lamentável e expressa o tratamento arrogante e desrespeitoso que a empresa dispensa aos moradores da comunidade do São Pedro, que tiveram suas vidas atravessadas, contra sua vontade, pelos interesses econômicos da ZMM.
Tádzio Peters Coelho é professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa (DCS/UFV) e Gustavo Soares Iorio é professor adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Viçosa (DGE/UFV).
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
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Fontes:
COELHO, Tádzio. IORIO, Gustavo. Fronteira mineral e dependência em Minas Gerais: estudo comparativo da atuação da SAM e ZMM. 45º Encontro Anual da Anpocs, 2021.
FIALHO, Sara. A flexibilização da política ambiental no estado de Minas Gerais: uma análise da Deliberação Normativa Copam nº. 217/2017 e sua repercussão no licenciamento ambiental de empreendimentos minerários. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa. 2022.
JANUÁRIO, Geovanna. FIALHO, Edson. Manifestações religiosas e a defesa dos direitos sociais e ambientais: um estudo de caso no município de Teixeiras –MG. Revista Ponto de Vista. Vol. 1, n.10, 2021.
Edição: Elis Almeida