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Artigo | É tempo de governança popular

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Lançamento do Conselho de Participação Social e do Sistema de Participação Social Interministerial pelo presidente Lula - Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto
Precisamos de mais democracia participativa e direta

A posse de Lula subindo a rampa do Palácio do Planalto junto com os povos indígenas, quilombolas, catadores de recicláveis e LGBTQIA+, trouxe uma simbologia fundamental para começarmos no Brasil um novo ciclo para governos populares. Um ciclo definido pela necessidade de envolver todo o povo brasileiro na definição dos rumos do país por meio do fortalecimento de mecanismos de democracia direta.

Ampliar e organizar massivamente a participação popular já havia sido uma definição estratégica do Governo Dilma, com a Política Nacional de Participação Social, apresentada após as mobilizações massivas de junho de 2013. Agora, diante da estruturação do fascismo como organização política massificada, se torna uma obrigação geracional dos lutadores e lutadoras do povo, dentro e fora dos espaços institucionais.

O STF é o mesmo que manteve Lula preso injustamente e abriu as portas do inferno

Por mais que a barbárie fascista desencadeada após a derrota eleitoral do bolsonarismo à presidência esteja possibilitando a criminalização deste setor via atuação do STF, a depredação dos três poderes, como maior ato de agitação e propaganda do autoritarismo na história do Brasil, terá impacto a curto e médio prazo na captação de militância fascista.

O Brasil segue sendo o país com maior número de células fascistas e elas independem do bolsonarismo para existir e crescer. Essa ameaça não pode ser menosprezada e não será contida por Alexandre de Moraes ou pelo janonismo nas redes sociais. A justiça burguesa liberal e possíveis táticas de comunicação virtual podem ter seu lugar nesta guerra, mas nem de longe são suficientes.

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O STF é o mesmo que manteve Lula preso injustamente e abriu as portas do inferno. Hoje podemos ser aliados pontuais, mas não temos o direito de esquecer. Precisamos dar um passo que supere as raízes autoritárias do Estado brasileiro que permitem a ascensão do fascismo, como por exemplo a constante impunidade das Polícias Militares que exterminam a juventude negra periférica.

Essa superação do autoritarismo depende da articulação entre a luta pela ampliação dos espaços políticos de participação popular com a luta pelos direitos à saúde, educação, lazer, cultura, enfim, pelo direito à vida plena.

O ciclo de lutas iniciado com as greves do ABC paulista no fim dos anos 1970 se articularam poderosamente com a luta por democracia. Estas lutas possibilitaram que enquanto em todo mundo o neoliberalismo ortodoxo (modelo implementado por Pinochet no Chile, por exemplo) avançava com o consenso de Washington, a luta popular no Brasil, conseguisse incluir na constituição de 1988 a garantia da oferta pública e universal de serviços que materializam os direitos sociais de saúde e educação.


No Brasil, PT estava presente nas greves e na preparação da Constituinte e promulgação da Constituição de 1988 / Acervo Instituto Lula

Por outro lado, as conquistas se deram dentro dos estreitos limites do pacto pelo alto da transição democrática que teve como símbolo maior a anistia dos crimes contra humanidade cometidos por agentes públicos. Militares das Forças Armadas e das polícias que saíram impunes após matarem, torturarem, estuprarem e cometerem tantos outros crimes em nome do Estado brasileiro. Ou exemplo, são os limites constitucionais como mecanismos para implementação da reforma agrária e na abertura do setor educacional e de saúde para o mercado.

Mas a Constituição abriu uma possibilidade fundamental: a caracterização da democracia brasileira como representativa e também direta.

A forma da participação direta foi definida em seu artigo 14, por meio de três instrumentos: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. O potencial destes instrumentos já foram demonstrados quando o povo Brasileiro por exemplo decidiu viver em regime presidencialista e não numa monarquia ou num parlamentarismo. Da mesma forma, uma das maiores conquistas dos movimentos de luta por moradia ocorreu através de um projeto de iniciativa popular que criou o Fundo Nacional de Moradia Popular.

Além disso, no título 8º da Constituição, sobre a ordem social, traz o direito à participação social nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação das políticas sociais. Esta participação ocorreu ao longo dos últimos 30 anos na República Nova através da implementação de Conselhos de Cidadania, como Conselhos de Saúde, Educação, Direitos Humanos, entre outros. Durante os governos Lula e Dilma foram criados 17 novos Conselhos de Cidadania.

Riquíssima experiência

Essa riquíssima experiência, propositalmente atacada pelo governo Bolsonaro precisa ser retomada e aprofundada. As limitações identificadas nos conselhos de cidadania podem ser superadas em primeiro lugar ampliando o poder de decisão sobre as políticas públicas. E em segundo lugar, porém fundamental, com o enraizamento desses conselhos nos territórios do povo, em cada vila, favela, assentamento e ocupação.

É esta segunda superação das limitações dos conselhos a que mais pode caracterizar o tipo de governança proposta como popular. A soberania do povo sobre as políticas públicas desde seu território. Atualmente, a maioria dos conselhos se organizam em nacionais, estaduais e municipais. Porém, experiências exitosas como do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte que organiza núcleos em bairros, podem e devem ser replicadas para outros conselhos de cidadania.

É preciso disputar a formulação, monitoramento e avaliação das políticas públicas

A própria estrutura dos Sistemas de Saúde e Educação no Brasil propiciam esta capilaridade através de Unidades Básicas de Saúde e Escolas presentes em todo território.

Os reformadores do neoliberalismo implementaram no Brasil um tipo de governança baseada na administração empresarial identificando a sociedade civil, ou terceiro setor, como executor terceirizado de políticas planejadas centralmente pelo aparelho do Estado, mas sempre induzidas por aparelhos privados de hegemonia institucionalizadas, como fundações empresariais, tal como Fundação Lemann, Fundação Vale, Instituto Unibanco e Instituto Itaú.

É por meio destas coalizões empresariais que o projeto neoliberal tem sido hegemônico no Brasil. Remodelaram o Estado em seu interesse. Um grande exemplo disso é a educação. Determinaram o rebaixamento da qualidade da educação através da precarização e perda de autonomia docente, da redução do currículo à formação de mão de obra barata e da constituição de indicadores de qualidade escolar descolados da realidade. O resultado é que nas últimas décadas o Brasil alcançou os índices de conclusão na educação básica, mas apenas um em cada quatro brasileiros dá sentido ao que lê, sendo presa fácil das fakenews espalhadas por redes sociais ou pela mídia empresarial.

É preciso disputar a formulação, monitoramento e avaliação das políticas públicas com essa gente. Se pretendemos afastar a barbárie fascista precisamos incluir o povo na definição do orçamento, para contrapor destruição com construção da soberania popular. Venceremos ao conseguir convencer o povo que podemos esperançar um novo país.

É tempo de esperançar. É tempo de governança popular.

Fábio Garrido é mestre em Educação, Assessor de Governança Comunitária do Instituto Guaicuy e militante do Movimento Brasil Popular

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

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Edição: Elis Almeida