No capitalismo, trabalho e processo criativo não são orientados para enriquecer a existência humana
Ultimamente, o ChatGPT, robô que gera textos conforme comandos humanos, tem preocupado profissionais de diferentes áreas do mercado de trabalho. Criado pelo centro de pesquisas OpenAI, a inteligência artificial utiliza um modelo de linguagem (GPT-3) baseado em um método de aprendizagem de máquina inspirado no funcionamento de neurônios humanos.
O robô já passou no exame nacional de medicina dos Estados Unidos, foi aprovado como engenheiro de computação nível 3 no Google, começou a ser utilizado em campanhas publicitárias e até foi coautor em artigos científicos.
Uma ferramenta parecida, que utiliza inteligência artificial para transformar comandos de texto em imagens, chamada Midjourney, criou uma imagem que ganhou o prêmio de primeiro lugar na competição de artes digitais da Feira Estadual do Colorado.
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Seremos, de uma vez por todas, substituídos pelas máquinas?
Essa pergunta é muito antiga. Muito mais antiga que a existência das inteligências artificiais. Tão antiga quanto o capitalismo. Isso porque, desde que o capitalismo existe, ele orienta a lógica das descobertas científicas.
Grande parte da tecnologia que temos disponível hoje, existe porque antes houve um esforço de pesquisa direcionado para desenvolvê-la. Esforço de pesquisa exige financiamento, que raramente é realizado se não for lucrativo. Isso significa que a tecnologia que temos atualmente serve aos propósitos do capital. E um dos grandes propósitos do capital é poupar trabalho.
Veja, o capitalismo precisa que o trabalhador seja substituível. Como a maior parte da população vive do próprio trabalho, a diminuição das oportunidades de emprego significa um maior número de pessoas dispostas a trabalhar por um salário muito baixo para sobreviver, suportando jornadas longas e extenuantes e condições degradantes de trabalho.
Entretanto, apesar dos esforços seculares do capitalismo para eliminar o trabalho humano, isso não é possível. O próprio capitalismo e a economia de mercado precisam de consumidores para continuar existindo, se reproduzindo e acumulando – e robôs não consomem. Além disso, é por meio da interação com o trabalho intelectual humano que os softwares de inteligência artificial funcionam.
E essa mesma interação engendra um processo de retroalimentação que cria a necessidade de uma força de trabalho ainda mais complexa, possibilitando o desenvolvimento de tecnologias informatizadas ainda mais sofisticadas*.
O capitalismo degrada a criatividade
É necessário pontuar que todas essas tecnologias funcionam a partir de comandos humanos, reproduzindo e reciclando ideias, discursos, símbolos e iconografias que já existem e foram criados por pessoas. Sua função é somente reproduzir. Nesse sentido, ela tende a substituir o trabalho intelectual humano na medida em que ele se torna redundante, isto é, meramente uma reprodução de ideias já reverberadas, uma atividade padronizada e automatizada.
No entanto, isso não é um problema que pode ser atribuído somente a alguns indivíduos, é estrutural. O capitalismo degrada a criatividade. A racionalidade, o trabalho e o processo criativo não são orientados para transformar o mundo e enriquecer a existência humana, no sentido de entender a nós mesmos e o universo ao nosso redor.
A criatividade sob o capitalismo é instrumentalizada para servir aos propósitos da acumulação de capital e gerar lucro. O ser humano é podado e moldado desde a infância, submetido a um modelo de educação que objetiva a formação voltada para um mercado do trabalho, no qual o trabalhador não se reconhece nem no produto de seu trabalho – uma vez que este não pertence a ele –, nem no processo do próprio trabalho – uma vez que não é ele que controla e decide a respeito da sua atividade laborativa.
Assim, não me parece haver uma solução que não envolva pensar um outro tipo de educação libertadora, que amplie e aperfeiçoe as potencialidades das pessoas, que estimule o pensamento crítico e que desenvolva a racionalidade e a criatividade humanas como um fim em si mesmas.
Isadora Pelegrini é pesquisadora, doutoranda em economia na UFMG e membra do Instituto Economias e Planejamento
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
*Para quem quiser uma análise mais aprofundada do assunto, recomendo os livros “Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho”, “O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho” e “Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho”, todos do Ricardo Antunes.
Edição: Larissa Costa