Construído a base de muita luta e resistência, hoje, os moradores da capital mineira podem dizer que possuem um dos maiores carnavais do Brasil. Neste ano, a festa em Belo Horizonte levou 5,25 milhões de foliões às ruas, movimentou R$ 720 milhões na economia e gerou 20 mil empregos diretos e indiretos. Em Minas Gerais, mais de 11 milhões curtiram o período carnavalesco.
Para Marina Araújo, regente dos blocos de rua Bruta Flor, Lua de Crixtal, Fofoca e Acorda Amor, depois de dois anos sem a festa, devido à pandemia da covid-19, o carnaval de Belo Horizonte foi marcado pela euforia do reencontro e pela politização das ruas.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
“Estar de novo nas ruas, depois de dois anos de isolamento social e toda uma guerra que travamos contra o governo Bolsonaro e sua política de matança das minorias, foi um movimento de desejo de ocupação, de fazer a festa de resistência e de mostrar que estamos vivos, apesar de tudo o que aconteceu”, avalia.
Os dados, informados pela Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), em coletiva de imprensa, na manhã desta segunda-feira (27), ainda vão além. Ao todo, quase 400 blocos de rua organizaram cortejos em todas as regiões da cidade, que recebeu 226 mil turistas.
Porém, a realidade nem sempre foi essa. Até pouco tempo atrás, era comum ouvir da boca dos belo-horizontinos que não existia carnaval na cidade. Para quem acompanhou a construção da festa da capital mineira durante a última década, é inegável que, por um longo período, um dos grandes dificultadores era a própria prefeitura.
Carnaval de resistência
Neste ano, durante os cortejos, foliões gritaram palavras de ordem criticando o antigo prefeito da cidade Márcio Lacerda. O motivo do protesto foi um artigo de opinião, publicado pelo ex-prefeito, no qual ele afirma que sua gestão foi uma das responsáveis pelo crescimento do carnaval da cidade.
Na realidade, o carnaval de rua de Belo Horizonte surgiu justamente em protesto às políticas que impediam o direito ao acesso à cidade e à cultura.
:: Leia mais: Mais de 60 blocos de carnaval lançam nota contra a mineração na Serra do Curral ::
Um dos grandes impulsionadores do movimento foi a luta contra um decreto da gestão de Lacerda, publicado em 2009, que impedia a realização de eventos na maior praça pública da cidade, a Praça da Estação.
“Nosso carnaval surge na base dos movimentos pela reapropriação dos espaços públicos da cidade e a reivindicação do uso desses espaços pela população”, ressalta Marina.
Desafios
Ainda que, no geral, a avaliação seja positiva, artistas e organizadores da festa na capital mineira apontam que ainda há aspectos para avançar.
A fundadora e vocalista do bloco Lavô, Tá Novo, Amanda Coimbra, avalia que as questões estruturais e financeiras, no período anterior e durante o carnaval, ainda precisam de ajustes.
“É um desafio encontrar lugares que sejam bons para os ensaios dos blocos, se não pela falta de espaço, ou acústica, pela falta de estrutura de som. E quando se preenche os requisitos, falta verba para a utilização da melhor estrutura que atende ao que precisamos”, relata.
Para Amanda, também é preciso avançar na valorização da cultura popular que, durante o período carnavalesco, movimenta bilhões na economia da cidade.
“O que precisa é valorizar esse movimento cultural, os agentes e artistas que estão na linha de frente fazendo o carnaval da cidade ser um dos maiores do Brasil”, conclui.
Em último caso, quando não há todo o investimento necessário, quem mais sofre são os foliões e os artistas, que passam todo o ano se preparando para colocar os blocos na rua.
Medida de Zema ainda traz consequências
Uma das consequências da falta de atenção adequada do poder público foram problemas na sonorização da maioria dos blocos de rua.
A situação trouxe chateação para os foliões, que não conseguiam ouvir bem as músicas, e também para os organizadores da festa, que enfrentaram problemas estruturais.
É o que conta a regente do bloco Abalôcaxi Carol Nogueira, ao Brasil de Fato MG. Ela relembra que tudo começou após, em 2020, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), proibir os blocos de utilizarem caminhões-palco ou “carros-prancha”, tradicionais no carnaval de Belo Horizonte.
“Era muito importante, tanto pela qualidade sonora, já que a bateria conseguia ouvir melhor o som, quanto em relação ao que é a nossa cultura de carnaval na cidade. Antes era um tipo de carro mais baixo, que permitia uma relação mais próxima com o público”, relata.
Após a apreensão dos carros em 2020, mesmo eles tendo sido vistoriados pelos órgãos responsáveis, os organizadores dos blocos passaram a enfrentar uma verdadeira maratona para conseguir viabilizar os cortejos.
“A gente não consegue encontrar um modelo de carro que atenda às nossas necessidades. Os trios muito altos são feitos para um tipo de carnaval em que o carro fica estacionado. Estamos lidando com uma ausência de fornecedores, somada à má vontade do governo do estado”, avalia Carol Nogueira.
:: Leia mais: Escola de samba e bloco caricato de Venda Nova são os campeões do carnaval de BH ::
Organizações sindicais ajudam a garantir a festa
Para alguns blocos, a alternativa foi recorrer à solidariedade das organizações sindicais. Em diversos cortejos, foram os carros de som da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) que garantiram a festa.
“Quem salvou a gente foram os sindicatos. Eles nos deram apoio com o empréstimo dos carros de som e dos mini trios para fazermos o nosso cortejo. Neste ano, por exemplo, os blocos Lua de Crixtal e da Fofoca saíram um com o carro do Sind-UTE e outro com o da CUT. Se não fosse esse auxílio, a gente não teria recurso financeiro para alugar e não sairíamos”, destaca Marina Araújo.
Para crescer mais é preciso de investimento
Para enfrentar esses desafios, quem conduz o carnaval de Belo Horizonte cobra mais investimento por parte dos órgãos públicos. Para eles, mesmo a prefeitura oferecendo subsídio financeiro para a organização de parte dos blocos, o processo é burocrático e o valor ainda não atende ao tamanho da festa.
“Às vezes te dão o recurso mínimo e acham que com aquilo dá para colocar o bloco na rua. O que recebemos de estrutura não chega a 10% do que precisamos”, avalia a percussionista do bloco Tapa de Mina Laiza Lamara.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
Neste ano, a prefeitura abriu edital para que os blocos concorressem a um auxílio de R$ 20 mil. Porém, o valor não cobre os gastos com trio, técnico de som, brigadistas e outras dispesas. Por isso, os organizadores acabam tendo que buscar o patrocínio de terceiros.
Lara Sousa, da Truck do Desejo, relata que não faltam esforços para a busca de recursos para garantir que o carnaval de resistência de Belo Horizonte siga crescendo.
“A Truck do Desejo, por exemplo, construída por mulheres LBTs, não bináries e pessoas trans masculinas, é um caminhão que tomou a estrada e não tem mais volta. Fazemos várias ações para arrecadar dinheiro e colocar o bloco na rua, mas nunca sem sufoco”, conta.
Edição: Larissa Costa